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Direto de Londres, o relato do 2º dia do festival Next Big Thing

Com a assombrosa colaboração de Mateus Ribeirete, o Pista 1 continua a cobrir o HMV’S, Next Big Thing, festival que acontece em Londres e em outras três cidades e que tem como objetivo revelar novas e boas bandas.

No segundo dia de shows, o dream pop de Trailer Trash Tracys, a salada étnica de François and the Atlas Mountains e Eugene McGuinness, o mais novo indie descolado da terra da Rainha. Mas, na noite fria de Londres, também houve citações a Milton Nascimento e Maria Bethânia. Na segunda-feira (13), você confere aqui as impressões sobre os shows de Crybaby, Hanni El Khatib e The Heavy. Leia, ouça e deguste.

Divulgação
Eugene McCguinness: aposta da Domino Records, postura de Morrissey e voz de Alex Turner. Pega?

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HMV, 03/02
Bandas: Trailer Trash Tracys, François and the Atlas Mountains e Eugene McGuinness

Na segunda noite de HMV’s Next Big Thing, escolho ir ao Barfly, no popular Camden, para ver outras três bandas novas. O palco fica no segundo andar da casa, e lembra muito a parte de shows do Jokers. Hoje a noite é da Domino Records, gravadora local responsável por lançar Franz Ferdinand e Arctic Monkeys. Entre as cortinas e paredes escuras o Trailer Trash Tracys começa sua fria apresentação às 19h30, posicionando-se no tablado simplório, à direita de quem sobe.

O grupo, comparado com o XX pelo estilo musical, tem nos criadores de “Vcr” e “Islands” uma grande influência. Aquela postura estática e calma, ecoando seu dream pop, é uma constante do início ao fim do show, sempre em busca de psicodelia. A performance divide o Barfly, já lotado. Enquanto uns entram na atmosfera flutuante ditada pela doce voz de Suzanna Aztoria, outros não parecem impressionados. Do meu lado, um rapaz com camiseta do Black Sabbath faz cara azeda quando pergunto sua opinião. “É… foi ok”.

A banda londrina lançou Ester, seu primeiro disco, há poucas semanas. Para eles sobra potencial: é muito provável que o Trailer Trash Tracys atinja em breve um público fiel. Se o grupo não agrada todo o mundo é porque seu som não é lá bem o que se ouviria num elevador, ou mesmo num porão cheio de guitarras e amplificadores. Para degustá-lo é preciso algum preparo.

Falando em degustação, François and The Atlas Mountains, a segunda banda, é uma bela salada. O grupo tem franceses, um escocês e um inglês, sendo possível notar um pouco de space rock; de Talkings Heads e de Friendly Fires; além de ritmos latinos e africanos. O show, caprichado na percussão, é dinâmico, cheio de viradas e mudanças, e ouvem-se palavras em francês e em inglês. François Marry comanda o barco, apoiado por Gerard Black, com quem reveza os vocais.

François, multi-instrumentista, já está na estrada há um bom tempo, com vários álbuns e EPs independentes lançados por aí. Foi com a junção anglófona dos Atlas Mountains, entretanto, que ele se mostrou pronto para voos maiores, comercialmente falando. O álbum E Volo Love, do ano passado — o primeiro pela Domino Records –, agrada a gregos e africanos.

Pois se em seu primeiro disco solo — Les Anciennes Falaises, 2004 — há trechos em grego, italiano e espanhol, é na África que François and The Atlas Mountais buscam suas maiores influências atuais. “Só tenho ouvido musica africana, cara”, me conta o escocês Gerard. Quando digo que sou do Brasil, ele se anima: “gosto muito de Maria Bethânia, e Milton Nascimento também é ótimo!”.

O curioso na apresentação de François e seus companheiros é que eles não parecem se importar muito com o público. Os quatro integrantes se mostram absortos no próprio som, tocando animados para si mesmos. Não há marketing – todos estão impecavelmente compenetrados. “A gente aproveita. Se nós não gostarmos do nosso som, quem é que vai gostar?”, conclui Gerard. E o Barfly adorou.

Na pausa antes do show de Eugene McGuinness, dois fatos inusitados acontecem. Vejo um sujeito com sacola da Music & Video Exchange, um sebo sensacional de Londres, e pergunto o que ele comprou. É o vinil Come My Way, de Marianne Faithfull, sobre o qual David – este é seu nome – me fala com empolgação (enquanto isso, dois amigos param em sua frente e lhe dirigem um “wow, nice!”). Pois David Peschek, jornalista, escrevia no Guardian, e hoje se ocupa com o The Quietus. Ele foi conferir François and The Atlas Mountains, banda da qual é fã assumido. “Eles são demais”, afirma sem pestanejar.

Logo após, um rapaz de óculos (e timidez) à Graham Coxon se aproxima e pergunta se eu estava escrevendo sobre os shows. Ao responder positivamente, ele me oferece um EP de sua banda, The Baron Von Marlon, já justificando que é apenas o primeiro e que o próximo deve sair na semana que vem. Ele é Shaun, líder e compositor do grupo, e compareceu ao Barfly para ouvir Eugene McGuinness, rasgando elogios a seus trabalhos mais antigos. Neste momento a terceira atração da noite, cheia de marra, sobe ao palco.

McGuinness mantinha carreira solo, e agora, com banda de apoio, é uma grande promessa da Domino Records. Sua postura de palco lembra Morrissey, segurando o microfone e gesticulando. Ele é confiante, arrogante, e não por acaso abre o show com “Shotgun”. Seu som desperta e carrega um fardo de “você vai me ouvir na rádio e cantarolar junto, queira ou não”. As músicas são rápidas e fortes; muitas remetem ao Arctic Monkeys, principalmente pela voz parecida com a de Alex Turner.

Com uma direção distinta entre seu começo de carreira e a pegada atual, o rapaz de ascendência irlandesa deverá ponderar seus objetivos: se apegar a suas composições mais criativas ou fazer sucesso a qualquer custo. Aparentemente, ele tem escolhido a segunda opção. Quando alguém do público lhe pede uma musica antiga, ele logo retruca, sem descer do salto, “você vive no passado, cara?”.

O responsável por The Invitation To The Voyage, lançado ano passado, chegou a fazer parte da banda de Miles Kane, e parece ter sugado as características (ruins) do ex-Rascals: marra e imagem em excesso para criações musicais que não mudam a vida de ninguém. McGuinnes poderia ir mais longe que isso sem abandonar o gel no cabelo; sua veia pop deveria ser uma qualidade, não uma estrada de mão única que lhe ofusque o talento.

Posso estar exagerando, mas a seguir esse caminho, o londrino radicado em Liverpool será visto como o mais novo descolado da categoria indie para em seguida cair na irrelevância. Como Sam Preston, dos Ordinary Boys: obcecado pelo sucesso (e por ser um novo Morrissey), ele se perdeu em investidas de popstar e a banda se desgastou até acabar.

Apesar disso, ou exatamente por isso, McGuinness se mostra pronto para ser o next big thing: estourar na internet com seus clipes narcisistas e ser acolhido por públicos cada vez maiores. Sua música não é nem de longe ruim: acelerada, faz bater o é e balançar a cabeça. Se não esbarrar no próprio ego, Eugene ainda pode ir longe. A apresentação com o baixo agradavelmente chamativo anima o Barfly e encerra a noite pouco após às 23 horas.

O papo sobre ego me serve de assunto para conversar com Anita e Laura, ambas inglesas, sobre a região. Elas chegaram atrasadas para ver François and The Atlas Mountains e só puderam conferir Eugene McGuinness. “Como foi François?”, elas perguntam. Digo que foi ótimo e elas ficam bravas. “Não! Diga que foi um lixo!”, exclamam entre risos.

Conversamos sobre o Camden, e Anita engrandece o fato de tanta gente diferente compartilhar um mesmo lugar. “Mas tem um lance de ego complicado… Muita gente aqui passa a vida preocupada com o próprio ego, e só isso”, afirma, cautelosa. Laura, que já foi a Salvador e Ilha Grande, sintetiza de maneira mais ríspida: “um bando de escrotos!”, e elas riem novamente.

“MASSIVE WANKERS!!!”

As duas voltam a lamentar a ausência no show de François and The Atlas Mountains, sem dúvida os vencedores da noite. Desprovidos de qualquer pose ou arrogância e levando somente a música como preocupação, eles fizeram do Camden um lugar mais francês (e africano, e latino, e escocês, …).

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