“Cícero, é da reportaaaaaaagem!”, grita alguém do outro lado da linha. Um “já tô indo” meio descompromissado é o que se ouve alguns segundos depois. Cícero Lins é, como ele mesmo diz, “um cara normal.”
Aos 26 anos, formado em Direito, o carioca de fala rápida e sotaque indisfarçável é um dos principais representantes da geração pós-Los Hermanos, que mostra sua cara com mais força por esses tempos.
Cícero Lins lançou uma pequena obra prima em junho de 2011. Depois de gravar dois discos com a banda Alice, fez de uma kitinete (e tudo que podia haver nela, de livros a eletrodomésticos) sua inspiração.
O disco Canções de Apartamento é um abraço. Pode ser triste, mas é honesto. Canções simples e letras cotidianamente reflexivas são os trunfos do músico, que se apresenta nesta quinta-feira (4) no Teatro Paiol, em Curitiba, em duas sessões – às 20h30 (ingressos esgotados) e às 22 horas, com sua banda completa — Uirá Bueno (bateria), Bruno Schulz (acordeon, piano e coro), Gabriel Ventura (baixo e “megafones loucos”), Ricardo Gameira (guitarra e metalofone). O show faz parte do Projeto Radar — A nova música brasileira nos 40 anos do Teatro Paiol.
Na entrevista abaixo, o cantor e compositor fala sobre o apartamento em que tudo aconteceu, seu sucesso repentino na internet e o conceito de originalidade. “Há uma cultura de que o que é bom precisa ser novo. Eu concordo, mas o que é novo não precisa ser necessariamente inédito.”
Onde você está?
Em casa, no meu apartamento, no Botafogo.
No mesmo que “inspirou” o disco?
Não, me mudei no início do ano.
Você era vocalista e guitarrista da banda Alice, que lançou dois discos e conseguiu certa projeção, muito por conta do bom álbum Ruído (2007).Como foi sua saída da banda?
Simplesmente acabou, foi algo normal. Montei a banda em 2003, com colegas do segundo grau. Fomos fazer faculdade, e aí cada um foi pra um lado. A banda acabou em 2008.
Sobre o disco: você o compôs no seu apartamento?
Sim, escrevia as músicas, compunha de acordo com a minha rotina, com o meu dia a dia. Terminei, botei no Facebook e aí espalhou, por conta própria.
Foi o apartamento que deixou o disco melancólico assim, mas também doce e quase triste?
Acho que sim. O apartamento era pequeno, um conjugado. Bem pequeno, na verdade. 25 metros quadrados. Acabou que só tinha um ambiente. Fiquei impregnado com a estética daquele dia a dia. E aí a coisa foi ficando meio interessante. Tinha muita coisa em tão pouco espaço. Isso passou até para a temática visual do álbum [na capa há uma estante entulhada com livros e discos] e para o nome, Canções de Apartamento. Foi automático.
O que tinha naquele apartamento?
Toda a minha vida. Discos, livros, cama, geladeira, fogão, banheiro…
Não era apertado demais?
Bastante. Por isso me mudei no começo deste ano (risos). Outra coisa: naquele apartamento, a única janela que tinha dava para a vizinha. Era colada no AP. dela, tudo meio claustrofóbico. Isso refletiu nas letras, no disco.
A geração pós-Los Hermanos está mostrando sua cara artística com força agora. Seu trabalho tem um pouco da sensibilidade estranha do Amarante, você é comparado com o Marcelo Camelo pós-Mallu também. Qual foi a influência da banda no seu trabalho, no disco?
Ouvi bastante os caras. Eles são muito fortes em termos de influência cultural. Tenho 26 anos, sou um cara normal que ouvia música no 2º grau. E o Los Hermanos era o que havia de mais interessante mesmo, muito pelas escolhas estéticas. Os sons, timbres. Rolava uma afinidade fácil. E isso é repassado, de geração pra geração, como tem que ser. Fui influenciado pelos Los Hermanos, os Novos Baianos influenciaram os Los Hermanos, os Mutantes influenciaram os Novos Baianos. É um fluxo natural. O mundo está cada vez mais linkado, vivemos na era dos links. E você pode usar isso como demérito ou a seu favor, posto que é uma realidade. Foi o que tentei fazer. Meu disco é todo referencial. Na capa do disco, há álbuns de outras bandas [Radiohead é a que mais se destaca], e nas letras há citações a letras de outras canções, de outras pessoas. Tentei usar isso de forma honesta e aberta. E isso porque preciso me firmar como artista, mais pô, ser linkado com Camelo, Caetano, Tom Jobim, Radiohead, é maior honra porque eu não sou nada.
Aquele coisa de ser original ao beber de boas referências…
É. Há uma cultura de que o que é bom precisa ser novo. Eu concordo, mas o que é novo não precisa ser necessariamente inédito. Porque os sentimentos são os mesmos. Carência, acessos, crises, verdades, mentiras, amor. O ser humano evolui devagar, cara. São passozinhos pra frente. E musicalmente é a mesma coisa. Cabe a mim tentar fazer o que consigo fazer com essas demandas. Mas não sou ingênuo. Acho que tem muita gente que acaba virando escravo do que as pessoas dizem o que elas são.
O que anda ouvindo ultimamente?
Hoje ouvi muito Mogwai. São gênios do post rock. Esse último disco [Hardcore Will Never Die But You Will] é incrível. Mas sou de uma geração que ouve uma porrada de coisa ao mesmo tempo… embora recentemente continue reincidindo no Mogwai.
Como você consome música?
Cara, eu gostaria de estar comprando discos, mas não tenho tempo pra isso, pra parar em uma loja e ver tudo. Então consumo pela internet. No laptop, ali mesmo. Ouço muita coisa em streaming também. Esses dias ‘vi’ o Neon Bible [segundo disco do Arcade Fire] no YouTube.
Você venceu a categoria “Disco Mais Compartilhado da Web” no Prêmio Multishow. Por que acha que fez tanto sucesso com um álbum na internet, um lugar de coisas rápidas e efêmeras?
Pois é. Tecnicamente a galera “me consumiu” assim. Não fiz muita divulgação, não fiz muito show. A internet não é a realidade do Brasil. A realidade é a tevê, o rádio e a grande mídia. Mas é interessante pensar que o que viralizou foi o disco. Não lembro de ter acontecido isso antes… um disco ter viralizado. Um clipe sim. A Banda Mais Bonita da Cidade é um exemplo disso. Mas o disco todo foi uma parada diferente. Tive que aprender a lidar com isso.
Qual é o seu público?
O perfil está mudando. Antes era mais a galera antenada mesmo, que vive em Facebook, Twitter, Instagram. Esse ano surgiu uma mídia maior. Matérias em jornais nacionais, rolou o Prêmio Multishow. Tive contato com outro público. Então hoje é meio misturado. Há pessoas de 30 e poucos anos, uma galera que leva filho, mas também há moleques de 17 anos. Eu tô meio atravessado. Ainda sou pequeno pro grande, e grande pro pequeno. Tô assim.
Os ingressos para o show em Curitiba esgotaram em 24 horas, e haverá outra sessão. Sabia que tinha muitos fãs aqui?
Não! Não tinha noção. Nos últimos tempos constatei o quanto da internet vai pro mundo real. Porque antes não sabia qual era a proporção. Por isso fui pra um lugar pequeno aí. Pesquisei, vi que o Paiol tem um som legal, uma luz bacana. Para um público pequeno seria perfeito. Pô, mas aí você vê que esse público é maior. Agora já posso pensar em algo mais bacana, para mais gente. Não porque sou megalomaníaco, mas porque a demanda me mostrou.
Já tinha feito duas sessões de um mesmo show?
Não, será a primeira vez. Não sabia nem como fazer um show antes, imagina dois!