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HMV: o que James Brown faria se estivesse vivo e com uma banda na Inglaterra
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O impossível Mateus Ribeirete continua a cobrir o HMV’s Next Big Thing, festival supimpa que rola em Londres. Dessa vez, ele foge da neve para conferir o melancólico Crybaby, o pulsante Hanni El Khatib e o fenômeno The Heavy, descrito como “o que James Brown faria se, ao invés de falecer, tivesse rejuvenescido e então montado uma banda na Inglaterra.” Curta aí.

*Se quiser ler sobre os shows de Folks, Admiral Fallow e We Are Augustines, vem cá.
**A respeito de Trailer Trash Tracys, François and the Atlas Mountains e Eugene McGuinness, você lê aqui.

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HMV, 04/02
Bandas: Crybaby, Hanni El Khatib e The Heavy

Já é dia 4 e estou de volta no Borderline, desta vez para conferir Crybaby, Hanni El Khatib e The Heavy. Sem saber muito o que esperar dos primeiros, chego ao local pouco depois de começar a nevar na capital inglesa. É quando o Crybaby se prepara no palco. O bar está relativamente cheio, e com ainda mais calvos e carecas que no dia 2. Pode ser besteira, mas a primeira coisa que penso lá dentro é “o Moby e o Billy Corgan estariam perdidos no meio desse povo”.

Um desses carecas sobe ao palco com áurea misteriosa e começa a cantar em tom choroso. Eu não sabia nada sobre o Crybaby, e continuo conhecendo pouco mais que isso: sei que soltaram há poucas semanas o single “I Cherish the Heartbreak More than the Love I lost”, e que o álbum sai dia 2 de abril, pela Helium Records.

A banda vai toda aprumada: coletes e ternos dão classe a uma performance regada à cabeças baixas. O show lembra um funeral, exceto pelo sentimento que o rodeia: se enterrar alguém não é bem um sinônimo de alegria, os três rapazes e duas garotas formados em Bristol propiciam uma atuação tranquilizante e admirável.

Com todo o mistério que cerca o grupo, totalmente avesso a ações virais, posso dizer que foi uma bela e elegante surpresa. Praticamente sem falas durante o show, o que se ouve é uma voz tenra de Danny Coughlan – descubro que assim se chama o careca introspectivo –, acompanhada de uma guitarra flutuante. Somados à percussão discreta, são os solinhos que ditam o tom relaxante das músicas, e não deixam que a banda seja só um cara choramingando com seu violão.

Divulgação
Danny Coughlan, a mente por trás do Crybaby: elegância e introspecção.

Até achei que o nome Crybaby tivesse relação com o famoso pedal wah-wah, mas pelo jeito é uma homenagem ao hit sessentista de Garnet Mimms — depois regravado pela Janis Joplin. O som me lembrou Surfer Blood em seus momentos mais agitados, um pouco de Little Joy nos mais tranquilos, sempre atido ao mesmo embalo das origens do rock.

Quem se acostuma com a delicadeza da primeira banda com certeza leva um soco na alma quando o skatista Hanni El Khatib vem ao palco. De camiseta e calças pretas, cheio de tatuagens e ostentando um crucifixo, ele é praticamente a antítese do Crybaby. Ao anunciar sua proveniência — Los Angeles, Califórnia –, uma francófona ao meu lado solta um “argh!” tão desagradado quanto espontâneo. Junto a ele no palco somente o amigo Nicky, um baterista talentoso — também de preto.

El Khatib começa a destruir na sua guitarra sem se importar com mais nada. Logo na primeira música, o americano faz barulho suficiente para assustar — e perceber que seu instrumento está falhando. Ele não dá a mínima e troca de guitarra enquanto o baterista segura o som. Gritando “1,2,3,4” sem microfone, o badboy de origem palestina berra a música mais deliciosamente crua que o Borderline pode escutar.

E o show é simplesmente sensacional. Apresentando em sua grande parte o disco Will The Drums Come Out, lançado ano passado, El Khatib agita todos, sem exceção. Nem mesmo a francesa do “argh!” deixa de balançar a cabeça freneticamente, ainda no começo do repertório. O baterista, apenas apresentado como “um amigo”, é simplesmente um animal: barulhento e sagaz, quando Nicky Fleming-Yaryan se empolga fica difícil segurar o ânimo. Também pudera: um show com apenas guitarra e bateria requer dois músicos talentosos — ou Jack White e um robô.

A fórmula de El Khatib não é nova, mas não deixa de ser ótima: faltam bandas cruas assim. Ele é impulsivo, explosivo e improvisado: não se importa com nada e toca até o fim de seu horário, às 21h20, agraciando uma plateia totalmente convencida de seu talento. O skatista logo se retira do palco, apressado: não por acaso sua agenda de shows está lotada nos Estados Unidos e na Europa por mais alguns meses.

Quem fica para desmontar seus brinquedos é Nicky, prontamente recebendo a companhia de um rapaz arrumado. Os dois conversam, e nitidamente aquele que chega está elogiando a performance do colega de El Khatib. Alguns minutos depois, eles trocam de posição, e assume a bateria um dos membros do The Heavy, fenômeno da noite.

Ver o Heavy tocar é simplesmente clamoroso: os caras são fantásticos! Eu estou dançando, os franceses estão dançando e o japonês de mão enfaixada ao meu lado se mexe como se não ligasse para o caso de ela quebrar de vez. Imagino que até o Crybaby tenha parado de se lamentar para pular junto. Kelvin Swaby, o vocalista, é um verdadeiro showman: irreverente, faz os comentários certos nas horas certas e não deixa a agitação cair. Pelo contrário, são suas intervenções excêntricas que transformam a apresentação em algo único.

Nos estádios de futebol do Reino Unido, existe um canto famoso para elevar um jogador ao máximo de respeito. O torcedor grita que deixaria ele, o atleta, beijar sua própria mulher — sendo “beijar” um eufemismo leve. Pois Kelvin Swaby parte desse principio: no meio do show ele simplesmente separa um casal, agarra e beija a garota no rosto, sem mais nem menos. Todos riem e aplaudem, inclusive o acompanhante dela.

Há sete caras no palco, todos de traje social, animadaços com o próprio som, dançando e tocando o repertório de seus dos primeiros discos, mais algumas músicas novas. Seu próximo álbum, The Glorious Dead, será lançado dentro de alguns meses, eles anunciam. “How You Like me Now?” e “No Time”, seus hits mais famosos, embalam qualquer um ali presente. Tudo é tão bem colocado: o teclado, o saxofone, o trompete, a guitarra… fica difícil pôr defeito, impossível diante das circunstâncias.

Aos poucos o vocalista se despe e, só de regata, vai anunciando o fim da apresentação. Ninguém quer deixar a banda ir embora e lembrar que lá fora está nevando. O show, entretanto, termina, e da mesma forma como começou: fenomenal. Todos deixam o Borderline sorridentes, afoitos. Estão satisfeitos, mesmo que congelando.

O Heavy parece com… o que James Brown faria se, ao invés de falecer, tivesse rejuvenescido e então montado uma banda na Inglaterra. Tem um pouco de tudo, e uma pérola dessas não pode passar batido no mundo da música. O terceiro dia de Next Big Thing, pois, é bem sucedido do início ao fim. Aguardo contente o dia 10, quando voltarei a acompanhar o festival.

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