Quatro bandas que prometem muito se apresentaram no HMV’s Next Big Thing, em Londres: a divertida Bwani Junction, a Hooded Fangs, comparada a um Voltron (entenda porque abaixo) a pesada Eagulls e The History of Apple Pie, que passou um espanador no shoegazing de Ride, My Blood Valentine e cia. Outra investida do Mateus Ribeirete.
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HMV, 11/02
Bandas: Bwani Junction, Hooded Fangs, Eagulls e The History of Apple Pie
Depois da decepção de ontem, chego ao Barfly esperançoso por melhores shows neste penúltimo dia de Next Big Thing. O evento de hoje fica por conta da Fly Magazine, revista mensal gratuita que começou no próprio Barfly e passou a ser publicada pela HMV. O foco das páginas é justamente cobrir bandas novas, que ainda não dispõem de grande atenção.
Justamente por isso, os nomes de hoje são bem recentes: Bwani Junction, primeira banda, lançou seu álbum de estreia recentemente; Hooded Fang é a mais experiente, com dois discos já gravados; Eagulls e The History Of Apple Pie, as duas últimas, têm como material só um e dois singles, respectivamente.
Subo as escadas para a área em que os shows ocorrem e noto que o Bwani Junction já começou a tocar. Eles são de Edimburgo e soltaram o disco Fully Cocked há exatos três meses. Suas musicas são relaxadas, agradáveis. Parecem ter sido criadas naturalmente, numa reunião de amigos talentosos. Elas sempre te puxam para a segunda guitarra, com riffs leves que conseguem prender atenção. “Two Bridges”, a mais famosa, até junta um coro.
O grupo me lembra The Kooks. E se meu cérebro naturalmente consideraria isso uma boa ofensa, os escoceses mostram que não é bem assim. As duas bandas se assemelham na mentalidade tranquila, não agressiva e no consumo fácil de suas composições. O Bwani Junction é mais criativo, e não parece ter o mesmo objetivo do Kooks de soar cool e ser inspiração para adolescentes viciados em repassar emoções infladas no Tumblr. Eles não parecem preocupados em parecer despreocupados.
A apresentação agrada ao público fiel do Barfly. Ainda é cedo (19h45), e ao meu lado um rapaz abre seu Blackberry compulsivamente para checar resultados do campeonato holandês — e eu não consigo não me distrair com isso em todas as vezes. Passado o intervalo – entre os shows, não dos jogos na Holanda, suponho – também é hora da banda Hooded Fang começar a tocar.
Eles são canadenses, e seu material — disco e camiseta — à venda no balcão da entrada chama atenção pelos desenhos legais. O som lembra Wavves, um pouco de Cribs também: são músicas típicas de garagem, cruas e fortes no seu instrumental. Somado a isso, parece haver um lance meio tropical. O repertório passa pelos dois álbuns da banda, em especial Tosta Mista, disco mais recente, lançado na metade do ano passado.
O show é bom, muito bom. Seu vocalista Daniel Lee desafina o tempo todo, mas não é falta de qualidade – ou não é só isso. Fica nítida a vocação de garagem do grupo, que sabe usar isso a seu favor. “É o rock’n roll”, me diz o guitarrista Lane Halley depois da apresentação. Os integrantes parecem pessoas diferentes, e eu digo isso a eles. Quem responde – brilhantemente — é Halley, outra vez: “Sabe o Voltron? Quando aqueles robôs se juntam pra fazer um robô gigante? A banda é tipo um Voltron. Cada um traz algo diferente pra unir numa coisa só”. Para ele, o Hooded Fang funciona como um megazord.
Como o Barfly ainda não estava cheio, o quarteto acaba não recebendo a atenção que merecia. Mas o som é mesmo muito bacana, e eles já têm outras datas marcadas em Londres. “Comprem nossos CDs, por favor; pra gente pode beber umas cervejas inglesas e pegar o metrô”, suplica a carismática April Aliermo, baixista, enumerando as necessidades em sua devida ordem de urgência.
Depois deles, surgem no palco garotos aparentemente despretensiosos, cabeludos e que logo passam a se movimentar de forma frenética. É o Eagulls e sua testosterona, levantando a casa e aproximando a noite de um terreno punk ainda não visto — por mim — em nenhuma banda do HMV.
O som é barulhento, gritado, pesado; e ótimo! O vocalista George Mitchell, entre palavras quase inaudíveis, segura o microfone e berra aflito. Ele remete muito a postura de início de carreira de Ian Brown, com imponência natural e pouco caso para a estética. Isso, claro, se o líder dos Stone Roses tivesse montado o Anti-Flag.
“A gente quer fazer bons álbuns”, me conta o baixista Tom Kelly. “Não que a gente não goste de ficar bêbado, mas esse lance de ‘vou ficar louco e ser um rockstar’ não é a nossa prioridade; a gente gosta de música”, completa. E ele oferece tantas citações válidas em tão curto tempo de conversa que fica difícil filtrá-las. “Nós temos BOLAS, e isso está em falta nas bandas”, assegura. E com razão: o Eagulls é um grupo provido de colhões, disso não dá pra duvidar.
Embora agressiva e com toda a aura de “som da rua”, a música dos cinco amigos de Leeds tem um mérito bem notável: ela não se afasta tanto de um produto consumível. Não há, ali, um “suicídio popular”. O que mais contribui para isso é a linha das guitarras, que às vezes flerta com o pop e em alguns momentos muito — inesperadamente — lembra Libertines. Até o momento eles só têm um single, “Council Flat Blues”, mas me convenceram, e com sobras. É difícil não entrar no ritmo alucinado do show, memorável em qualquer aspecto.
A atração principal da noite é um zumbi para os viúvos do shoegazing: The History of Apple Pie se caracteriza por retirar as distorções e os vocais sutis de bandas como Ride e Chapterhouse, mas principalmente do My Bloody Valentine, uma influência claríssima para o quinteto londrino. Puxado para o noise, as guitarras “sujas” de grupos como Sonic Youth e Dinosaur Jr. também são característica inevitável. Mais do que isso, a banda prova que boas músicas não dependem de um bom nome – o deles, afinal, é horrível.
Praticamente transportado dos anos 90, o show apresenta tudo aquilo que se espera do shoegazing, como timidez, sutileza e olhares para baixo. A oriental Stephanie Min dispõe de uma voz muito bonita, e por vezes é acompanhada da baixista Kelly Lee Owens. Na plateia ninguém canta, mas fica difícil achar alguém que não esteja curtindo em sua maneira introspectiva. A introspecção, afinal, é o que leva ao shoegazing.
Os dois singles da torta de maçã, “You’re so Cool” e “Mallory”, já esgotaram. O segundo, principalmente, é brilhante: nunca foi fácil encontrar músicas tão distorcidas e com um potencial pop tão agradável ao mesmo tempo. A banda é um prato cheio e uma justa esperança para fãs de álbuns como Loveless e Daydream Nation.
Para isso, claro, será necessário criar uma identidade: somente reproduzir um estilo já demarcado não fará da History Of Apple Pie um grupo faraônico. Mas eles demonstram saber onde pisam, e eu já criei expectativa para o primeiro álbum. Ao fim da noite, os integrantes logo retiram os equipamentos e se reúnem em uma salinha próxima ao tablado. Não consegui falar com nenhum deles, embora a vontade fosse grande.
Se a noite de ontem (10/02) foi meio lamentável, hoje o Next Big Thing pode reunir quatro bandas muito válidas, novas e com personalidade. Vai tudo muito bem outra vez, obrigado.