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No hay banda: as vicissitudes da Festa do Silêncio

Mesmo na festa mais eclética possível, numa utópica torre de Babel em que os andares seriam povoados por gêneros musicais distintos, ou num shuffle de iPod mais inspirado do que o normal, seria difícil ouvir Xuxa e The Fratellis quase ao mesmo tempo. Ou presenciar uma disputa entre uma canção folclórica portuguesa e a porno-nostálgica trilha sonora da Banheira do Gugu — “umba umba umba, ê, lara, laralaralá”. Mas aconteceu. E, durante boa parte da noite da última-sexta feira, apesar das músicas avacalhadas, das dancinhas convidativas, dos resgates musicais apelativos e de todos os clichês indies, o Wonka Bar esteve no mais puro silêncio.

Pela segunda vez aterrisou em Curitiba a Shh (Club Silêncio), curiosa festa em que o headphone é item obrigatório. “É só pegar o fone e se divertir”, garantia, logo na entrada, uma moça de óculos, metendo a mão em uma grande caixa e retirando um dos 350 fones de ouvido disponíveis.

Com o aparelho em seu devido lugar, havia três caminhos a seguir, explicou ela: “trash funk”, “indie” ou “pop”. Três canais no fone, um clique para mudar de um para outro e barabim, barabum, barabeakman: você poderia se deparar rapidamente com Arctic Monkeys ou Gogol Bordello, dançar loucamente com Katy Perry, tentar compreender a letra de um funk esculachado ou rir ouvindo Xuxa — e, discretamente, soltar um “ilari-lari-ê”, porque ninguém é de ferro.


No “palco”, três DJs representavam simultaneamente os três canais supracitados. Tocavam por cerca de uma hora, ao mesmo tempo, e aí outra leva de paladinos do silêncio entrava em ação. Durante toda a noite, foram doze DJs, em quatro entradas.

A festa silenciosa surgiu em 2005, no Festival de Glastonbury, e chegou ao Brasil em 2010, estreando no Rio de Janeiro. Nos principais festivais europeus, aliás, o “silent” já tem um palco próprio, movimentando muitas pessoas que poderiam até ser chamadas de “egoístas musicais”. Mas a versão brasileira da Shh provou o que já sabemos: a música – ou o gosto musical, em termos gerais – une mesmo aqueles que pensam estar em um universo paralelo por conta do canal escolhido.

Em rodinhas de amigos, de quatro, cinco pessoas, o que mais se via eram dedinhos em riste. Um, dois ou três, indicando ou perguntando qual o canal da vez. Quase sempre sinais afirmativos confirmavam o gosto similar. Amizade também é compartilhar preferências, afinal de contas. “Já já o pessoal começa a se empolgar e aí fica divertido”, alertou a certa altura Felipe Rocha, um dos idealizadores do modernoso evento.

Reprodução
“No hay banda”. Nem música, apesar dos três DJs.

Outro exercício divertido, já quando a festa engrenava, era retirar os fones durante aquelas músicas infalíveis, porém mais batidas do que a piada do Mário.

“Take me Out”, do Franz Ferdinand, por exemplo. Se em 2004 a moda era bater os pés no chão no ritmo da música, tal qual festa no Xingu, na Shh o que se ouvia era um coro igualmente empolgado e desafinado. Nessas músicas, o DJ colaborava, cessando temporariamente o som e deixando a continuação da dita cuja a cargo de quem estava no canal 2 – no 1, nesse momento, um funk carioquíssimo bradava “bate bate, eu tô doidinha”.

A DJ Juliana Juliana Anverce (DJ Judi) comandou o canal 2 por uma hora. Residente do VU às sextas-feiras, ela diz que não mudou o set por causa da festa, mais silenciosa do que o normal. “Não mudei nada. O que é legal de ver é o ‘duelozinho’ que acontece entre os DJs. Todos eles querem ouvir as pessoas cantando as músicas que colocam”, explicou a garota, que havia tocado Gogol Bordello (um rapaz vestido de branco lembrou Forrest Gump quando saiu alucinado cantando “Start Wearing Purple”), The Fratellis, Hot Chip e Cut Copy. “A festa é ótima porque, se a pessoa não está gostando do som, é só trocar”, completou Judi, levantando a bandeira da democracia musical.

Até o final da noite, outros duelos raros disputaram ouvintes e propiciaram caretas. “Pimpolho” venceu Katy Perry. Braga Boys – “para dançar isso aqui é bomba, para balançar isso aqui é bomba, para mexer isso aqui é bomba!” – desbancou “Marylou”, da Ultraje a Rigor; e, quem diria, as Spice Girls detonaram a “Mulher de Fases” dos Raimundos.

Quando “Tô Ficando Atoladinha” brigava pau a pau com “Mr. Brightside”, do Killers, resolvi devolver os fones – em caso de perda a multa é de R$ 350. Porque tem sempre um momento em que o silêncio é mesmo o melhor dos canais.

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