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O buraco é mais embaixo: o povo vai às ruas e a política volta à música

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Alexandre Kumpinski, vocalista da Apanhador Só.

Como uma troca de passes entre Xavi e Iniesta, a inserção do discurso político na música brasileira vem e vai. Entretanto, como o humor de grandes jornais paulistanos, que em um dia cobram mais ação da PM, e em outro a condenam, essa relação esquenta e esfria, afrouxa e aperta. Muda, mas sempre está lá.

No final da década de 80, sob a raspa do tacho da ditadura, o Capital Inicial cantava “Veraneio Vascaína”, música que retrata policiais civis como “assassinos armados e uniformizados” e que foi censurada pela Polícia Federal. Isso em Brasília.

Os Paralamas do Sucesso tinham a sua “Alagados” (“a cidade que tem braços abertos num cartão postal/ com os punhos fechados na vida real”); e a Legião Urbana, digam o que quiserem, perguntou para todo mundo: “Que País é Este”?

Mas veja só: a banda brasileira mais influente dos últimos 15 anos, Los Hermanos, nunca disse um “A” sobre política. Como a maioria de nós, acostumou-se a encarar a fila do pão. E a pagar quase metade dele em impostos.Foi um movimento pós-ditadura, embalado pela possibilidade de questionar o governo e o próprio país. Uma vontade reprimida da geração anterior, que tinha a política em suas entranhas. Chico Buarque, Geraldo Vandré, Sérgio Ricardo, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Ivan Lins, Luiz Gonzaga Jr. e outros de sua geração dedicaram parte significativa de suas obras à produção de canções que, de forma explícita ou indireta, falam do estado de coisas no nosso Brasil.

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Despirocamos?

 

Quase quinze anos depois da chegada do PT ao governo, um sonho esquerdista da juventude dos anos 80, o resultado em cima do palco foi um silêncio morno, daqueles que ouvimos antes de adormecer. O discurso político foi diluído em pequenas-grandes causas, e manteve seu histórico habitar no rap – que hoje, com Criolo, populariza-se com ajuda até de bolero.

Enquanto isso, a outra banda continua tocando. Você sabe, ou deveria saber. Não é só pelos 20 centavos. Os que insistiam em afirmar que os protestos eram por nada, viram que é, na verdade, por tudo. Pelo direito de ver o seu dinheiro taxado retornar de forma digna; pelo direito de não precisar correr dos carros quando se atravessa a rua na faixa; pelo direito de não ter de conferir a conta quando ela chega; pelo direito de não idolatrar tanto uma seleção nacional de futebol que, orquestrada por uma organização privada e por interesses políticos, lucra a cada treino e se torna cada vez mais distante e menos representativa. Por isso e por tantas outras coisas.

 

É bom lembrar: o estopim do novo capítulo do Passe Livre aconteceu em abril, em Porto Alegre. Vem de lá também a banda que consegue captar os descontentamentos dessa dita nova classe média, que se acostumou a comprar tevês de plasma, mas também entende que voltar pra casa confinado como gado é normal. Ou entendia.

Não por acaso, “Despirocar” foi o primeiro single do novo álbum da Apanhador Só. A música ganhou um clipe que serve como perfeito pano de fundo para o que aconteceu no Brasil na última semana. Ela pode ser entendida, hoje, como a saga de um brasileiro classe média padrão, e agora revoltado. “No bus eu subo afoito, engolindo algum biscoito/ Acotovelo logo uns oito, eu tô cansado e vô sentar/ Depois do chacoalhaço, tô no trampo e um palhaço/ Mesmo me vendo um bagaço, já começa a me ordenhar.” É sintomático. É política.

Movimento de maior riqueza na música brasileira nos últimos tempos, o pessoal paulista da “Nova MPB” também se posiciona. Para um caderno especial sobre o tema, Rodrigo Campos, integrante do grupo Passo Torto, disse que “hoje a questão é anterior à política, é a reformação de um pensamento sobre o homem, mais precisamente sobre o homem moderno e seu rumo.” Ou seja, a questão é filosófica.

Uma música do primeiro disco da banda, “Faria Lima para Cá”, demonstra bem essa guinada rumo a causas particulares que se tornam coletivas com a ajuda de um olhar sensível para o que está ao redor.

A música foi composta por Rodrigo depois que a linha amarela do metrô de São Paulo apareceu perto de sua casa e, como contrapartida, fez aumentar o aluguel de seu apartamento. Transporte público gerando aumento no aluguel? Epa!

Hoje, Leoni publicou uma música para dar coro ao protesto geral, apoiando as manifestações.

Ainda não há uma música que una a geração mais individualista da história do planeta, como já afirmaram. Mas já já ela surge. Simplesmente porque vivemos um momento histórico, inédito e irrevogável.

 

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