Uma história está se tornando perigosamente banal porque começamos a nos acostumar com ela: evento público em Curitiba termina em confronto entre população e Polícia Militar. O CarnaVibe, promovido pela primeira vez pela Fundação Cultural de Curitiba em parceria com o Club Vibe e a Academia Internacional de Música Eletrônica (Aimec), levou 40 mil pessoas à Marechal Deodoro no último domingo. Foi um dos maiores eventos a céu aberto de que Curitiba tem notícia.
Voltamos a 2012: uma confusão no Largo da Ordem no fim de uma das saídas do bloco Sacis e Garibaldis suscitou discussões sobre a ação da PM em determinados eventos públicos (e sobre os próprios eventos públicos espontâneos). À época, dois argumentos ganharam força: 1) o confronto aconteceu porque o Largo da Ordem é um espaço que não comporta multidões, já que tem vias estreitas e é apertado, enfim. 2) a PM está despreparada para agir neste tipo de manifestação cultural. Talvez porque elas sejam, mesmo, relativamente novas na cidade.
Em 2014, a Fundação Cultural de Curitiba oficializou o bloco dos Sacis e Garibaldis. O trio e a multidão que o segue – ou seguia – a cada domingo pré-carnaval, teriam um espaço delimitado para circulação: a Rua Marechal Deodoro, mesmo local do desfile oficial, histórico e tradicional ponto de encontro de foliões na cidade. Se por um lado o evento perdeu sua espontaneidade, por outro imaginava-se que ganharia em segurança e infraestrutura.
O CarnaVibe nada tem a ver com os Sacis, bem sabemos. O público é outro, a música é outra. Mas o evento aconteceu sob a chancela da prefeitura de Curitiba e da Fundação Cultural de Curitiba. Num lugar pré-determinado. Todos sabiam onde e a que horas começaria; e onde e a que horas terminaria. Um plano de policiamento preventivo não deveria ser coisa de outro mundo. A causa do confronto entre PM e a população, portanto, não é uma questão geográfica. Retirar – à força ou com o aval do poder público – um grupo de determinado local não evita confrontos como o de ontem.
Toda a situação também suscita dúvidas sobre uma questão mais preocupante. Se é realmente um despreparo dos policiais militares para conter alguns arruaceiros de plantão – num evento de 40 mil pessoas na 44ª cidade mais violenta do planeta é esperado que alguém passe dos limites e precise mesmo ser detido – ou se a truculência é uma ação assertiva e consciente, já que a ideia-fixa do secretário estadual da segurança pública, Fernando Francischini, é “lei e ordem.” A quixotesca detenção de Marcos Cordiolli, secretário municipal de Cultura, reforça a impressão de que qualquer diálogo é subestimado em detrimento da força e da brutalidade. Não imagino Cordiolli, sujeito ponderado e inteligente, cometendo algum tipo de ato que justifique um “desacato à autoridade.”
No dia 19 de janeiro, a jornalista Eliane Brum publicou um texto sobre os protestos em São Paulo. Ela viu o que viu e escreveu: “Neste caso, a PM não cometeria ‘excessos’ por despreparo – ou apenas por despreparo –, como já foi dito, mas como estratégia para esvaziar as manifestações. A meta seria impedir o exercício de um direito constitucional como forma de anular o potencial transgressor da reivindicação.”
Em São Paulo foi um protesto e não uma manifestação cultural legítima – o que é ainda pior no nosso caso. Mas, se for esse mesmo o cenário, configura-se uma espécie de terrorismo interno, às avessas, justamente porque começamos a temer o próprio Estado.
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