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É comecinho de tarde na redação. Entre um café e mais um, e outro, pipocam comentários aleatórios sobre o fim de semana. A vitória quebra-tabu do Paraná, no domingo, e os shows de sábado à tarde nas Ruínas de São Francisco. Até que um colega se anima um pouco mais.

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— Então, cheguei lá e tava tocando aquela MUV.

— Ah, legal. Não sou muito fã, mas a banda tem boas cantoras, né? É um som dançante, deve ter combinado com o clima.

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— Sim, foi bacana. E depois começou aquela banda, como é…

— ruído por milímetro?

— Isso. O show começou a mil, barulho e tal. Aí pensei: “que bela abertura”. Mas quando eles vão cantar e começar pra valer?

— Haha, pois é. Eles não cantam. No máximo assoviam.

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Shows a céu aberto em lugares públicos têm dessas peculiaridades interessantes. Colocam em conflito uma plateia espontânea e um artista com a guarda baixa, já que há outras potenciais distrações que o desafiam a todo o tempo, como os amigos ao lado (num lugar como esses não é preciso cochichar para se entender) a moça de vestido que passa toda toda na frente do palco, e os vendedores de cerveja, que também fazem barulho ao oferecer seu produto, quase sempre de um gelado irrecusável.

Promovido pela Fundação Cultural de Curitiba e pelo Sesi-PR, a série de apresentações foi um dos eventos em comemoração aos 320 anos da cidade. Um palco coberto – uma tenda – foi montada em frente às Ruínas. A partir das 14 horas, a previsão era que sete bandas subissem àquele palco, nessa ordem: MUV, ruído/mm, Big Time Orchestra, Namastê, Charme Chulo, Lemoskine e a Apanhador Só, única banda “estrangeira” entre as paranaenses.

A espécie de arquibancada estava quase cheia quando o ruído/mm apareceu. Nas laterais, havia aglomerados de pessoas que aparentemente decidiam se ficavam ali ou não. Como todas as bandas que se apresentaram nas Ruínas de São Francisco, o ruído/mm sofreu com a precariedade técnica do som, desfigurado. E isso, para eles, especificamente, é um problemão. Mas a banda seguiu.

A trinca de shows específicos de seus três discos se encerrou com o repertório de praia, de 2008. Soturno por natureza, o ruído fez até o sol dar um “olá” e hipnotizou quem não os conhecia – ao lado esquerdo do palco, de pé, três garotos entocados em seus grandes moletons e bonés dançavam “Petit Pavé” de olhos fechados. Só por esses encontros inusitados, shows assim já valem a pena. Interessante também foi ver a vibração estonteante da banda contracenar com uma tarde tranquila de sábado — teve até gelo seco, mas, poxa, eram só três e meia da tarde. O quinteto, que completou dez anos de estrada recentemente, agora se encoruja para gravar o próximo disco.

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Depois de algumas voltas pelo São Francisco, que borbulhava, voltei às Ruínas para o show do Charme Chulo, que também completou dez anos de vida, viva, e voltou recentemente aos palcos depois de um hiato planejado. A nova estética glam, anunciada no novo clipe da banda, ainda não foi totalmente incorporada. Fora a sombra nos olhos do inquieto Igor Filus, o vocalista, a moda que nasceu com o grupo ainda grita mais alto. Por isso, Igor, possível David Bowie da Cruz Machado ainda é um Morryssey caipira.

Foi muito bom ver o Charme Chulo de volta à ativa. O rock da cidade precisa desse humor criativo e produtivo, não de deboche. Mas o show foi estranhamente frio e distante — lembre-se dos problemas no som. Mesmo as músicas mais conhecidas, como “Mazzaropi Incriminado” e “Fala Comigo, Barnabé!” passaram batidas. A banda tem novos integrantes — Hudson Antunes (ex-Fluxodrama e Vintage Valentine) no baixo e Emanuel Moon (Relespública) na bateria – o que pode entrar na conta do entrosamento, apesar da qualidade dos músicos.

A nota boa é que Igor continua impossível. A certa altura do show, ele quase fez um pole dance duplo, ao se engatar com os dois postes que havia em frente ao palco. O momento “o que é isso, companheiro?” vai para um colega jornalista que, correndo em posição de aviãozinho, atravessou meio palco, feliz da vida. O Charme Chulo também conta os dias para lançar o terceiro disco de estúdio, sucessor do homônimo, de 2007, e Nova Onda Caipira (2009).

O próximo show seria o da Lemoskine. Seria. Rodrigo Lemos, vocalista do grupo, escreveu uma nota oficial em sua página no Facebook comentando porque não tocou. Ao que parece, a organização pediu para que a banda passasse o som durante a transmissão ao vivo da ÓTV, que cobria o evento. Ele não aceitou. “Não, não dá. Não dá, porque todos os (músicos e técnico) da minha equipe chegaram no horário combinado, um deles inclusive desmarcou um compromisso importante em Joinville, para chegar a tempo de passar o som. Não dá, porque não se desperdiça tempo, dinheiro e energia com ensaios, produções, etc; para chegar em cima da hora e expor esse trabalho de qualquer jeito; que dirá em uma transmissão ao vivo. Não dá, porque, apesar desta apresentação ser uma contrapartida exigida num projeto de lei, respeito deve vir primeiro”, escreveu Lemos.

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Sujeito sempre sereno e ponderado, Lemos cutucou até seus colegas. “AÍ EU PERGUNTO ao pessoal ‘cheio da atitude’… Nessas horas, vocês estão mesmo de brincadeira? Só brincando de tocar? (Não deu pra evitar)”. Para alguns, o ato soou arrogante. Outros acham que já passou na hora de profissionalizar de vez a coisa toda, além das bandas, e isso envolve produção, reprodução, agenda, equipe técnica. Eu fico com a segunda opção.

Por fim, a Apanhador Só subiu ao palco detonando tímpanos. O baixo de Fernão Agra estava pornograficamente alto, engolindo todo o resto – novamente, o som. Com a ajuda do público, que de longe repassou a situação como pode, com a ajuda de polegares e gritos, as coisas melhoraram. Um pouco, na verdade, já que a guitarra base estava mais alta do que a solo, prejudicando a execução de algumas músicas.

Tirando isso, a Apanhador tocou o de sempre, no limite do vencimento de seu show, e ofereceu o habitual jeito divertido/carismático/tímido. A ótima “Torcicolo”, que estará presente no próximo disco, fechou a apresentação. A relação com Curitiba é saudável mesmo (seria um namoro, um casinho?) e foi interessante ver muita gente abrindo a boca com vontade para cantar músicas como “Um Rei e o Zé” e “Nescafé”. A Apanhador Só lança seu novo álbum em maio – sobre ele, o vocalista Alexandre Kumpinski falou, e você lê aqui.

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Se os shows de sábado não foram uma excelência devido aos problemas técnicos, o evento valeu muito por outros aspectos. Um deles é a própria existência daquilo, uma das primeiras grandes iniciativas da nova gestão da Fundação Cultural de Curitiba, que demonstra uma clara vontade em fazer. Depois, os encontros fortuitos entre bandas até então desconhecidas e um público potencialmente interessado.

— Mas, afinal, você gostou do show ou não?, perguntei ao colega, retomando o assunto ruído/mm.

— Poxa, achei tão diferente de tudo.

— É, para Curitiba é bem original mesmo.

— Fiquei imaginando como seria em um show à noite, em um lugar fechado. A galera não deve se agitar muito.

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— Não mesmo. O ruído faz um som mais introspectivo e exige um pouco de dedicação de quem ouve. Mas às vezes alguém da plateia solta uns gritos pra tentar acompanhar, fica divertido.

— Estranho, né?

— É…