Passado o carnaval, voltamos ao rock. Este post é o relato da última noite de HMV’S Next Big Thing, festival que sacudiu Londres por alguns dias. O disposto Mateus Ribeirete, que está por lá e acompanhou quase todo o festival, relata o show xoxo de Liam Blake, a apresentação inesquecível de Sam Brookes e o pop docinho de Jake Morley. Saca só:
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HMV, último dia.
Bandas: Liam Blake, Sam Brookes e Jake Morley
Esta é a última noite de HMV’s Next Big Thing, e a primeira em que não tenho credencial de imprensa. Com o ingresso comprado, tudo que eu preciso fazer é apresentá-lo no Jazz Café. Esqueço-o em casa, o que logo reforça a minha teoria de que sou estúpido.
Peço para a recepcionista conferir meu nome na lista de compradores, e ela o encontra, sem perder a tranquilidade. O Jazz Café, numa noite de domingo, é silencioso. Não tem ninguém gritando e as atrações de hoje são marcadas por vozes suaves e violões amistosos.
Enquanto o palco está vazio, tento compilar alguns fatos ligados ao festival. Dos shows que não vi, quem mais tem repercutido é Emeli Sande: o anúncio de seu álbum, Our Version Of Events, lançado há poucos dias, está espalhado pela cidade em várias estações de metrô. Com boa recepção da crítica e do público, são consideráveis as chances de a escocesa estourar em breve.
Curiosamente, vi duas colagens em lambe-lambe do excêntrico King Charles, estrategicamente expostas perto da mais antiga Rough Trade. Visitando o sebo Music & Video Exchange, encontrei o último disco do François & The Atlas Mountains, bem como o single Sunlight, do Modestep, que se apresentou numa boate chamada Heaven.
Pois é justamente a eletrônica “Sunlight” que toca nas caixas de som do Jazz Café, antepondo-se à atmosfera calma do ambiente. O local, outro ponto de Camden Town, é bastante peculiar: o térreo tem um palco e dois bares, enquanto escadas laterais levam a um segundo andar focado no restaurante, mas que, por ser cortado em seu piso, dá visão ao tablado de apresentações dos artistas. Em cima, vêem-se famílias e alguns idosos.
Quando Liam Blake começa a tocar, o que já estava tranquilo passa a ser quase dormente. Suas composições são leves, pacatas, completamente suaves. É mais ou menos a música ambiente que toca em sala de espera de dentistas, ou numa compilação aleatória de world music, nos momentos em que três garotas reforçam o cantor com backings frequentes. O que não se traduz em falta de qualidade, só apresenta um objetivo bem claro de não atacar. Se ele decidisse incorporar elementos eletrônicos, certamente seria um projeto de chill out.
A voz de Liam é bonita, e não desafina sequer por um momento. You And Other Stories, seu álbum de estreia, remete a um som medieval. Ele mesmo, caprichoso por natureza, se compara a um trovador. Atá quando fala, nos diálogos discretos com o público, o músico emana uma tranquilidade bem característica. Não é o tipo de som que mais me anima, porém é nítido que segue firme a uma proposta bem executada.
Quem sucede Liam Blake na segunda apresentação da noite é Sam Brookes. Algumas coisas que você precisa saber sobre ele são: Sam Brookes é brilhante, e… bom, é isso, basicamente. Quando o cabeludo de chapéu levanta seu violão e começa a tocar, em meio aos murmúrios de conversas agitadas e desprovido de qualquer alarde, o Jazz Café, já lotado, parece um lugar sacro.
De uma hora para outra, todos estão quietos. Completamente quietos; implacavelmente quietos. Quem se aproxima do bar faz seus pedidos cochichando, como se não quisesse acordar alguém. As famílias e os idosos desviam toda a sua concentração, pois Sam Brookes parece arrasar a terra da mesma forma com que os russos enfraqueceram o exército napoleônico. Ninguém mais sabe onde pisar, mas todos têm a quem cultuar: quando ele para, recebe uma ovação ensurdecedora, completamente oposta ao silencio que lhe é preservado.
Sua música, por vezes extremamente melancólica, logo faz lembrar do já falecido Jackson C. Frank, cuja vida infeliz foi traduzida num só álbum; um auto-intitulado, de 1965, tão influente quanto desvalorizado. Em comum, os dois artistas são simples e diretos; ecoam lamentações sombrias sem subvertê-las a simples dramas. Brookes é mais preocupado com a própria afinação, e não poupa caras feias quando sente não ter atingido o tom desejado.
A presença de palco do inglês também é algo a se notar: carismático e introspectivo, suas raras falas geralmente carregam um humor sutil, como no momento em que se dá conta de não ter se apresentado – isso já na quarta música. “Ah, sim, eu sou Sam Brookes, obrigado”, ele diz, parecendo tão atrapalhado quanto senhor de si. “Essa é uma música feliz… É sobre depressão”, e seus ouvintes riem.
O violão baixinho quase não chama atenção em meio à doce voz de Samuel, que usa seu primeiro álbum – ou seria um EP? – como base do repertório. Foi Paul Simon quem produziu o único disco de Jackson C. Frank, e a curiosidade de vê-lo produzir algo de Sam Brookes não abandona minha cabeça. Ponho a mão no fogo pela ideia de que seria extraordinário.
Tamanho impacto num show de 40 minutos me deixou mal-acostumado para a atração seguinte. Pois se sobra talento para o artista local Jake Morley, o fato deste não ser devidamente explorado decepciona um pouco. Todas as composições são agradáveis, bonitinhas, não-agressivas, bem executadas, certinhas… parecem sair de um álbum da Disney – e isso é um elogio -, mas não há risco algum.
O som é todo legal, amigável e bonzinho, e o público-alvo parece ser o mesmo de Adele e Coldplay. Achar isso bom ou ruim vai de cada um: são ótimas composições para um pop feliz, mas qualquer ambição maior que essa inexiste. No Jazz Café, todavia, tudo que Jake Morley e sua banda cantam está na ponta da língua do pessoal. Dos shows que vi, talvez só o do The Heavy tenha contado com mais vozes do público, e olhe lá.
Jake toca e faz percussão no violão de forma imponente, antes de chamar seus colegas ao palco, um a um. “This City” simboliza muito bem o talento do rapaz. “Feet Don’t Fail me Now” é provavelmente a que mais empolga o Jazz Café – e vale ressaltar que as famílias e os idosos continuam concentrados. Ele lançou o álbum Many Fish To Fry ano passado, e está próximo de dar vida a um segundo. Sua música é tão “bonitinha, amigável, não-agressiva” que na saída do local um amigo da banda distribui panfletos dizendo “Jake loves you!” a todo mundo.
Que ele satisfez o público não há a menor duvida. Dentre as atrações desta última noite de Next Big Thing, entretanto, quem realmente se mostrou imenso não foi aquele com mais plateia e nem o mais acompanhado, e sim um melancólico e solitário Sam Brookes. A consagração popular pode não vir nunca para ele, até porque ser um “big thing” não parece muito sua prioridade. Enquanto estiver acompanhado de um violão, porém, a música receberá composições iluminadas. Talvez, assim como Jackson C. Frank, ele só precise ficar sozinho por um tempo.
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