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Dia desses estava em – mais uma – conversa sobre música. Gêneros musicais, na verdade, e a paixão que os envolve, em maior ou menor grau. Quando fui questionado sobre o porquê da minha predileção xiita pelo pós-rock e pelo shoegaze, disse que era meramente uma questão da busca pelo equilíbrio, o que, em última instância e na teoria, pode ser considerado um bom projeto de vida. Na prática, a coisa funciona assim: camadas de guitarras no mais alto volume + um vocal delicado (no caso do shoegaze, que tem em Ride seu exemplo mais bem acabado); e muito barulho, em diversos níveis, acompanhado da dose certeira de silêncio (ou de calmaria), no caso do gênero que se moldou com a ajuda de bandas como Tortoise e Slint Tudo isso para justificar a ida à 7ª edição do Sinewave Festival, a 3ª em Curitiba. O evento aconteceu no Jokers, na noite/madrugada da última sexta-feira (23).

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Além de um gráfico matemático que denota a repetição suave de alguma coisa, o Sinewave é um selo que abriga bandas destes gêneros. Bela Infanta (SC), This Lonely Crowd (PR), Loomer (RS) e Herod Layne (SP) foram as convidadas da vez.

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Estive nas outras duas edições do festival na cidade. O público é basicamente o mesmo. O Jokers nunca fica cheio, mas passa longe de estar vazio. Nesta noite, estava lá mais da metade da banda ruído/mm. Os curitibanos me confirmaram que os shows em 2012 foram mesmo arrebatadores, e que no ano que vem se aquietam para gravar mais um disco. Mas a terceira edição foi diferente. A começar pelo lado de fora.

A rua São Francisco está em obras. Há terra por todo lado, novas calçadas e iluminação pública, muito forte, que muda completamente a cara daquela rua estreita e intrigante. Outro episódio foi, por um lado, a comprovação da falta de feeling ou interesse da atual prefeitura em relação à demanda da mobilidade urbana. De outro, o jeitinho Fuleco de “se dar bem.” Explico.

Cheguei de bicicleta, como sempre faço, há dois anos. E, como sempre, há dois anos,, não encontrei lugar para estacioná-la. A rua passou por reformas, mas nem pensar em colocar paraciclos. Me dirigia a um poste amigo quando, de repente, o cara do vallet me chama. “Ei, afim de prender a bike?” Sim, eu disse, imaginando que haveria um estacionamento especial para bicicletas ali, uma alegria que faria a noite ainda melhor. “Cincão pra amarrar na minha moto”, ele falou, reforçando: “A moto tá bem aqui na frente, na luz… você é quem sabe,”, ele falou, em tom quase ameaçador. Eu disse “obrigado”, dei uma risadinha e segui rumo ao poste.

Menos por conta desse episódio e mais por causa da minha enrolação, cheguei durante a última música da Bela Infanta – o Festival Sinewave tem o bom costume de seguir os horários à risca. Foi o suficiente para notar o excelente cuidado com os timbres e a bonita voz de Deivys, que lembra Beto Cupertino, vocalista do Violins. É difícil deixar de lado, entretanto, a estranheza de ouvir um som desse tipo sendo cantado em português. O Bela Infanta surgiu em Joinville, em 2008. Tem no currículo o EP Branco (2009), e lançou no ano passado o EP Às Vezes os Pássaros Não Voam Pro Mesmo Lado no Inverno.

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A curitibana This Lonely Crowd é, numa descrição rasa e curiosa, um punhado de neurocirurgiões-músicos cujo vocalista é um Billy Corgan nos tempos de Siamese Dream. Na banda, há três médicos, um terapeuta ocupacional e um arquiteto. E o timbre do vocalista lembra mesmo o do líder da banda de Chicago em sua boa forma. O show foi interessante. Com três guitarras, o quinteto alcança um peso certeiro, que varia entre o alt-rock e o shoegaze. Os momentos barulhentos são barulhentos de verdade, até com certa dose de improvisação. Destaque para a baixista que, no palco, varia entre a indiferença e o blasé. A This Lonely Crowd tem outra peculiaridade: o nome dos integrantes surgiu a partir de personagens de Lewis Carrol, autor de Alice No País das Maravilhas. Pelo que pesquisei, eles se chamam assim atualmente: Tweedledum (guitarra), Tweedledee (guitarra), Humpty Dumpty (vocal, guitarra), Jabberwock (bateria) e Red Queen (baixo, voz). A banda acabou de lançar o disco Pervade, pelo selo Sinewave.

Não por acaso nome de música do My Blood Valentine, a Loomer foi o grande destaque da noite. Nas guitarras, uma certa alegria, um quê de melodia pop que logo se perde (e isso faz sentido) tanto na bateria ativa e vibrante quando no duo vocal masculino + feminino. Percebe-se também a dedicação dos músicos, a vontade visível que têm de que tudo saia certinho. Quando tudo sai mesmo, e essa vontade soa como esforço e não birra ou nervosismo, é admirável. Em certos momentos, a Loomer lembra um Sonic Youth mais encorpado. Em outros, um Chapterhouse com vocal feminino. Mais light. Os gaúchos já lançaram os EPs Mind Drops e Coward Soul, e o primeiro disco está a caminho.

A paulista Herod Layne subiu ao palco exatamente às 2h57 da manhã de sábado. Principal banda da noite, fez uma pequena passagem de som antes do show, que foi um ótimo resumo abrasileirado do pós-rock. A começar pela camiseta de Elson, o baixista. Lá estava: Mogwai, estampado discretamente. A Herod Layne, com uma bem-vinda dose de pretensão, vai no âmago do pós-rock e traz à tona, em sua versão particular, as múltiplas fases de uma música que aos poucos se torna uma grande viagem. Pois nela há guitarras dilacerantes, uma bateria irrequieta, a energia intrínseca a isso tudo e, por fim, um silêncio contemplativo. Dá pra ver que os caras ouviram muito Mogwai (que fez um show extraterreno no Sónar deste ano) e Explosions in the Sky (que devem tocar no mesmo festival em 2013). A Herod Layne tem dois discos: Sealand Fire (2009) e Absentia (2010), ambos recomendadíssimos.

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Ao final dos shows, os ouvidos zuniam – bom sinal para momento pós-Sinewave — mas ainda foi possível ouvir um garçom bradar para si mesmo, inconsolável: “Como esse povo pode gostar disso? Que som é esse?” É o som do equilíbrio, amigo. O som do equilíbrio.