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Stephen Malkmus está com as costeletas grisalhas. Indício da visita cruel do tempo a um roqueiro de 46 anos que insiste em chacoalhar a cabeça alucinadamente no meio de uma música, em fechar os olhos enquanto faz um solo em sua guitarra surrada, e em trocar figurinhas com uma plateia devota – ele ganhou presentes diversos e ofereceu goles de cerveja a quem estava perto do palco.

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O show do último dia 30, no Beco, em São Paulo, foi o quinto de sua turnê brasileira – Stephen Malkmus and the Jicks já haviam tocado no Rio de Janeiro, Maringá, Belo Horizonte e no próprio Beco, na noite anterior. Hoje (dia 2), o barulho é em Porto Alegre.

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Sim, ele é o vocalista do Pavement. Mas, exceto por um ou outro desavisado, foram poucos os pedidos por músicas de uma das melhores bandas dos anos 90. Primeiro porque o The Jicks não costuma tocar mesmo – é sempre uma por show, e olhe lá. Segundo porque o grupo tem vida própria e cinco discos com ótimas músicas como “Tune Grief” — de Mirror Traffic (2011) –, que abriu a noite no Beco.

Tudo estava absurdamente alto. Stephen, um dos melhores instrumentistas de sua espetacular geração, usou três guitarras diferentes nas três primeiras músicas – “Senator” e “Planetary Motion” vieram na sequência. Seu estilo é inconfundível. Solos inesperados e de muito bom gosto se misturam a um timbre sujo, seu espírito. Malkmus toca com uma facilidade impressionante, e relê suas próprias músicas como bem entende. O pacote Malkmus ainda inclui desafinadas calculadas e… uma meia preta com bolinhas coloridas: o pé solitário, pequenino, cobriu o microfone durante a maior parte do show. Era o toque infantil a um parque de diversões particular montado em um bar escuro da Augusta.

A The Jicks foi formada no ano 2000, meses após a separação do Pavement. Foi curioso olhar para trás e ver a multidão voltada inteiramente para a esquerda do palco, onde estava Stephen Malkmus.

No centro, reinava a baixista Joanna Bolm, que já tocou com Eliott Smith. A loira ficava ainda mais alta quando dava alguns passos à frente e deixava os cabelos lisos lhe cobrirem a cara, como se fosse um Kurt Cobain bem penteado. Mike Clark, dono de restaurante nas horas vagas, era o sujeito da outra guitarra e dos teclados. O careca já tocou com um punhado de bandas – The Minus 5 entre elas. No show, teve seu momento de glória muito cedo, quando saiu do palco e, de costas, caminhou em direção à plateia. Ficou dez segundos suspenso no ar, sempre tocando. O baterista é o gordinho Jake Morris, ex-The Joggers, o terceiro na história do The Jicks. Ali, éramos todos underground.

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A celebração do que se poderia chamar de “limite do mainstream no rock alternativo” continuou com a sensacional “Tigers” – Malkmus esqueceu parte da letra e, com as duas mãos no rosto, se desculpou de forma engraçada – “The Hook” e a novíssima “Scategories”, que provavelmente estará no próximo disco da banda. O repertório dos shows do The Jicks sempre muda. A apresentação no Beco foi baseada no último álbum e em b-sides, por isso houve alguns momentos mais contemplativos – receita certa para apreciar um solo de três minutos, por exemplo. Um compreensível cansaço da banda também foi perceptível.

Para driblar os poréns, Stephen falou em “brasileiro”. “Não digo português e sim ‘brasileiro’ porque vocês são maiores e melhores”, disse Malkmus, antes da comoção geral. Na parte final do show, ao fim de cada música havia um conclave no palco para decidir o que tocar. A última antes do bis foi “Real Emotional Trash”, uma viagem indie-progressiva de dez minutos que, no show, teve quase 15.

Durante a barulheira, um sujeito ao meu lado, suado e talvez empolgado com o que ouvia, terminava uma mensagem no celular que dizia assim: “agora só componho bizarrice for kids para estragar a próxima geração.” Há salvação, quem diria.

No retorno ao palco, Pavement. A pesadona “In the Mouth a Desert”, do primeiro álbum — Slanted & Enchanted –, levou o Beco instantaneamente a um dos melhores momentos musicais de 1992. Um cover de The Wild Ones (“Wild Thing”) e “Vanessa From Queens”, do disco Pig Lib (2003), deram boa noite e provaram, para infelicidade de Dave Grohl, que Stephen Malkmus é o cara mais legal do rock.