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Wado: “Tenho minhas liberdades protegidas pelo anonimato”
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[Wado, não Wando]

Wado está no limbo. Ao lado de gente como Pélico e Rômulo Fróes, espécie de tríade talentos subvalorizados, o músico e compositor tem um trabalho consistente e digno, mas assim como seus pares, que ajudam a recriar a MPB, está à margem da indústria fonográfica, das rádios, e do (grande) público.

Wado é um rebelde com causa. Ele lançou Samba 808, seu último disco, no seco, sem gravadora nem CD físico nem nada. Mas neste 2011, tempos de agruras para a indústria fonográfica, a rebeldia é menos uma opção e mais uma força necessária para artistas se virarem fazendo o que gostam. Felizmente o talento de um músico como ele consegue, com ajuda da internet, de bons amigos e de certa dedicação, sair do ovo.

Acredite: Samba 808 é um discaço. Entra fácil na lista de melhores álbuns de 2011 e tem pelo menos uma música, “Na Ponta dos Dedos” – ouça lá embaixo –, que já gastou por aqui. Resumidamente, é um álbum de canções que mistura a cadência gostosa do samba ao eletrônico-indie, com um ar tropical encantador que circunda todas as músicas.

No meio disso, participações classe A que servem para dar coesão sem tirar a originalidade do compositor: Marcelo Camelo, Zeca Baleiro, Chico César, Curumin, Fabio Góes, Fernando Anittelli, André Abujamra, Momo e Alvinho Lancellotti.


Outros destaques são as faixas “Não Para”, ousada e criativa, que recria parte do funk “Elas Estão Descontroladas” em uma versão low-fi; e a sinestésica e irônica “Surdos de Escola de Samba”, uma pérola.

Mesmo com esse jeitão lado B, Wado tem uma carreira que inclui uma apresentação no Tim Festival em 2002 – ao lado de Los Hermanos, Lambchop e Public Enemy; como parte do Projeto Pixinguinha, shows pela França, durante o ano do Brasil naquele país, em 2005; e outra em Berlim, em 2006.

Em 2008, Wado e seus ex-companheiros da banda Fino Coletivo são considerados pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) o Grupo Revelação. Em 2009, o cantor teve a música “Uma raiz, Uma Flor”, parceria com Alvinho e Georges Burdokan, incluída na trilha sonora da novela da Rede Globo Caminho das Índias. Isso é bom?

Em entrevista que você confere abaixo, o músico resume tudo: “No que faço sou um dos melhores do Brasil, embora isso não se reverta em grana.” Wado respondeu a entrevista a seguir por e-mail, ouvindo Black Keys. Definitivamente, um sujeito de bom gosto.

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Tudo bem? Que música você está ouvindo agora?
Nesse momento estou ouvindo Black Keys, e tenho escutado bastante P.J. Harvey e Fleet Foxes. Também estou escutando Toque Dela, do Camelo, e Concerto do Zeca.

Para quem está lendo essa matéria e não te conhece. Quem é Wado?
É um cara de 34 anos, músico e jornalista que procura emprego e toca nos fins de semana. No que faz é um dos melhores do Brasil embora isso não se reverta em grana pra ele.

Samba 808 é o seu sexto disco de estúdio. E mesmo com mais de uma década de carreira na música brasileira, você ainda é considerado um “marginal”. Isso te incomoda?
Não, porque é verdade. Tenho uma vida bem anônima, e isso tem um lado bom também. Tenho minhas liberdades protegidas pelo anonimato.

O fato de você ter convidado artistas, alguns deles muito conhecidos, para participar de Samba 808 tem a ver com isso? Digo, uma necessidade maior de inserção na mídia?
Fiz isso mais como afirmação pessoal de me postar ao lado dos que considero meus pares artisticamente, não em termos mercadológico, mais em termos de pertinência e afinidade mesmo.

Por que escolheu lançar o disco somente em formato digital?
Pra mim foi melhor, nem uma capa eles queriam pagar, dai mandei tomar no c*.

Foram quantos downloads até agora?
Mais de 9 mil.

Engraçado. Dando uma pesquisada sobre você e o disco na internet, achei muito mais notícias em blogs e sites gringos do que em brasileiros. Isso é estranho, não?
É massa isso né, acho que por conta do samba e do funk carioca pegar muito bem com os gringos. No carnaval estamos indo tocar na Alemanha, por exemplo. Sempre recebo direito autoral da Alemanha, eles gostam de “Se Vacilar o Jacaré Abraça” [música de Wado e o Realismo fantástico].

O nome do álbum já carrega muita informação do que podemos encontrar nele – samba e uma tecnologia retrô, justamente a citação ao TR-808, um dos primeiros sintetizadores já construídos. Bem, faz sentido isso? É um disco matutado?
É sim, apesar de isso ter ficado sutil no álbum, já estava posto antes de começarmos a gravar. Foi assim, maquiavélico.

Em “Não Para”, há uma recriação de parte do funk “Elas Estão Descontroladas”. É mais ironia ou a prova de que o ritmo carioca pode ser ‘audível’ se encontrar uma letra convincente ou um intérprete interessado?
Eu gosto de Funk mesmo, consumo em casa, é uma homenagem para um clichê do gênero, vou pra onde aquela letra não iria, mas acho até o original melhor.

Sua música “Atlântico Negro”, do álbum homônimo, de 2009, cita o pensador inglês Paul Gilroy. E você, na música “Estrada”, do mesmo disco, cita trechos de Terra Sonâmbula, livro de Mia Couto. Você é um cara que lê muito, usa isso em suas composições?
Não leio tanto assim, mas Mia Couto li muito e o Gilroy foi referência conceitual do disco sim. Pra edital é bom amarrar as coisas em pilares consistentes.


Como foi o trabalho com Camelo? A Mallu quis estar junto nas gravações, no estilo Yoko Ono (risos)?

A Mallu não tem nada de Yoko, ela é um doce de pessoa, fui eu que insisti porque achei que tinha a ver ter os dois juntos no refrão. Camelo é um amigo de muitos anos e esse ano conversamos muito por mail, então foi natural ele estar no disco. Foi pra premiar nossa admiração mútua e nossa amizade.

E com André Abujamra, como funcionou? Ele mora em Curitiba — e odeia o trânsito daqui.
Ele fez pela net 🙂 só precisou caminhar até o aquário… ele é o máximo.

“Com a Ponta dos Dedos” é uma das melhores músicas de 2011. Pode falar um pouco mais sobre ela?
Ela é uma canção de amor que trabalha muito em frequências do subconsciente, o lance de você ficar repetindo uma harmonia como mantra e deixar surgir o que tá abaixo (ou acima) do consciente. Gosto de fazer assim em algumas ocasiões.

Onde se insere o Wado na música brasileira hoje? Pergunto isso porque o Caetano se engraça com o rock; o Camelo, com sambas. Há uma intersecção no meio disso tudo, e ao que parece tem a ver com a volta da canção – leia-se letra acima da média em composições originais.

Eu faço parte disso desde 2001. Não é nada de mais, mas também não é pouca coisa, né. Quem vai ficando, só de ficar já é premiado de alguma maneira.

Você tem um timbre bastante peculiar, o que pode ocasionar reações as mais diversas. O que pensa quando alguém, por exemplo, fala que você tem “voz de marreco”? (Não me leve a mal).
Também acho que tenho voz de marreco, tem um charme nisso. Olha voz do Trummer e todo mundo, inclusive eu, adora. Timbre é acaso genético, não há o que fazer.

Em Curitiba há uma cena recente efervescente. A gota d’água, no bom sentido, foi A Banda Mais Bonita da Cidade. Conhece grupos daqui? E, de lambuja, como andam as coisas em Alagoas?
Conheço sim, estive ai esse ano no Era Só o que Faltava, foi um show lindo, ABMBC é bem massa, acho o hit deles na mesma vibe de Fortalece Ai [música de Terceiro Mundo Festivo]. Em Alagoas a cena continua forte. Muita banda boa.

Voltar para São Paulo está nos planos?
Sim, claro, São Paulo é metade do Brasil. Semana passada passei um monte de proposta pros ‘Sescs’, agora é torcer.

Estamos no final da entrevista. O que está tocando aí agora?
Estamos ainda nas últimas faixas do Black Keys (“Brother”).

*Mais: O chapa Felipe Gollnick, do blog Defenestrando, também falou sobre o disco do Wado aqui.

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