Em um sábado quente de maio, fui até o Sebo Acervo, na rua Saldanha Marinho, para ver de perto a pequena revolução que o espaço, entupido de discos, CDs, fotos e radiolas, incute naquelas paragens historicamente malditas. A boa sacada do lugar, que completou 15 anos em julho, foi abrir as portas para novas bandas da cidade. Os “shows” são sempre à tarde. Desplugados, ganham cara de ensaio aberto, prato cheio para ler as entrelinhas de um grupo, iniciante ou não, sacar suas intenções e perceber, organicamente, suas reais influências.
Naquele sábado, quem se apresentou foi a Watch Out for the Hounds. O Sebo Acervo ficou um pouco menor quando André Osna começou a cantar e a gesticular. No palco, o Watch Out for the Hounds – há planos para encurtar o nome – é expansivo, teatral e performático. Mas as peripécias de seu ótimo e caricato vocalista – pense em um Ben Bridwell um pouco mais novo – são um adendo essencial a uma banda que flerta com o blues, o folk e a música cigana. “Viajamos por picos da linha dramática que as músicas nos dão”, diz André, que é acompanhado por Vinícius Micheline (piano), Nikolas Quadros (violão), Carolina Pisco (bateria) e Will França (guitarra), este também integrante da Colorphonic.
O grupo surgiu quando, dois anos atrás, André, Santiago Liniers e Ieda Godoy, proprietária do Wonka Bar, organizaram um evento chamado Cabaret Sauvage. “A proposta era exatamente o que parece, um cabaré meio decadente, meio rock’n’roll, meninas dançando, a coisa toda.” Naquela noite, André fez um cover de Tom Waits, dando pistas do que seria a futura sonoridade do WOFTH. “Daí foi uma questão de pegar gosto e chamar as pessoas certas”, conta o músico.
O som da banda segue por um interessante caminho que começa com Alan Lomax (1915-2002), guitarrista e pesquisador aficcionado pelo folk e pela música negra e sulista dos Estados Unidos, passa pelos blues men Howlin’Wolf e Cab Calloway – de onde André diz tirar sua “empolgação” no palco –, chega a Tom Waits e tomba em Jack White, Laura Marling, Gogol Bordello, Flogging Molly e Andrew Bird, o fantástico whistling man que foi homenageado com um cover digno naquele sábado de sol. Nunca ouvi um cover de Andrew Bird e nunca pensei que fosse ouvi-lo ali, em frente ao paralelepípedo da Saldanha Marinho.
Com tanta coisa boa na bagagem, fato marcante e positivo na WOFTH é a forma com que as influências aparecem: sem delongas, retas e diretas, como deve ser em uma banda em começo de carreira. A WOFTH, ao que parece, não quer reinventar a roda musical, e sim se divertir fazendo músicas que ela mesma ouviria em casa. “Se não me engano eu subi numa cadeira/mesa em mais de um momento, certo?”, me perguntou André.
A Watch Out for the Hounds é outra das novas bandas curitibanas a compor em inglês (em algumas músicas há frases em português) o que não é só charme tendo em vista a exclusividade de suas influências. Com algo de suburbano, de marginal até, as letras divagam sobre cidades e encontros. Sobre a cena de Curitiba, aliás, a banda vê o lado ruim do copo meio cheio. “Sempre que a produção é grande, fica difícil se mostrar. Falta lugar para todos nós tocarmos e termos a chance de atingir o público que consideramos o nosso. Além de tudo, a cultura de shows é relativamente isolada a certas partes da cidade onde o público pode acabar se saturando da sua banda tocando toda semana”, diz André. “Curitiba é complicada, vou te falar…”
O grupo foi um dos convidados para tocar no Pecha Kucha, evento que aconteceu no Galpão Thá, em Curitiba, no dia 12 de julho. Volta e meia se apresentam no Wonka Bar e Blues Velvet. O quinteto também participa do Movimento Hotspot, pelo qual tocaram em Porto Alegre (Usina do Gasômetro). “Esse, posso dizer sem medo, foi bem emocionante”, diz André. “E sim, pretendemos gravar o quanto antes. Com isso, poderemos correr atrás de coisas que queremos muito fazer, como clips e projetinhos diferentes.” O próximo show é no Empório São Francisco, na próxima quinta-feira, dia 1º.
Com seu som ao mesmo tempo sujo e delicado, vibrante e cativante, a WOFTH se destaca de toda a leva de boas novas bandas da cidade por incorporar desde cedo o que um dia pretende ser.