Na Inglaterra do começo do século 20, a elite do pensamento de esquerda girava em torno dos socialistas fabianos – Bernard Shaw, Beatrice e Sidney Webb – e aliados como John Maynard Keynes. Esse grupo defendia o fim do liberalismo na economia, a nacionalização de ferrovias, a criação da seguridade social e uma coisinha mais: a eugenia.
“As exigências legítimas da eugenia não são incompatíveis com a perspectiva de um movimento coletivista”, publicou em 1931 a New Statesman, revista criada pelos fabianos e ainda hoje a principal publicação da esquerda britânica. “Pelo contrário, é esperado que elas encontrem seus oponentes mais intransigentes entre os que se agarram a visões individualistas da paternidade e da economia familiar.”
Bernard Shaw, o dramaturgo ganhador do primeiro Nobel de Literatura, acreditava que “o único fundamental e possível socialismo é a socialização da reprodução selecionada do homem”.
John Maynard Keynes, o homem que enterrou o laissez-faire do fim do século 19, foi diretor da Sociedade Eugênica Britânica de 1937 a 1944. “Já chegou o tempo em que cada país precisa criar uma política nacional sobre o tamanho da população” e “dar atenção à qualidade inata assim como o mero número de seus futuros membros”, escreveu Keynes no ensaio “O fim do laissez-faire”.
Ainda em 1946, depois do nazismo e da Segunda Guerra Mundial, Keynes defendia a regulação estatal da reprodução. Dizia que a eugenia era “o mais importante e significativo ramo da sociologia”.
A defesa da eugenia pela esquerda não foi um acidente de percurso. Os intelectuais contrários ao liberalismo da época apostavam suas fichas no planejamento central – não só na economia e nas relações de trabalho, mas no transporte, no urbanismo, no consumo e na reprodução. “Intervenção estatal” eram as palavras mais sedutoras da época.
“Os fabianos, Sidney e Beatrice Webb e seus colegas, não foram atraídos pela eugenia porque esqueceram de repente os princípios de esquerda”, diz o jornalista Jonathan Freedland num artigo do Guardian. “A verdade cruel é que eles foram levados a apoiar a eugenia justamente por suas crenças de esquerda.”
Por sorte, os valores individualistas venceram – e o controle estatal da reprodução aconteceu apenas por um breve período no mundo ocidental.