É sensata e bem justificada a decisão da Justiça Federal de suspender o item do edital do Enem que prevê nota zero às redações que contenham “desrespeito aos direitos humanos”.
A ideia não é, evidentemente, incentivar o preconceito ou a intolerância na redação, mas evitar que candidatos sejam punidos ou beneficiados por suas opiniões. Ou que se autocensurem quando quiserem fugir do padrão politicamente correto de boa parte dos avaliadores. Como afirmou o Escola sem Partido, autor da ação civil pública, o item poderia funcionar como um “filtro ideológico”.
O interessante é que a própria regra que tentava proteger os direitos humanos é em si própria um atentado a um direito humano – o da liberdade de expressão.
Outra fragilidade do item do edital era a falta de uma definição precisa de “direitos humanos”. Segundo a ONU, “os direitos humanos incluem o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre e muitos outros”.
Ora, nesse balaio se pode jogar qualquer opinião. A defesa à repressão a cambistas pode parecer desrespeito ao direito ao trabalho. Uma redação favorável ao aborto ou à pena de morte pode levar nota zero por atentar contra o direito à vida. Estaria eu desrespeitando os direitos humanos ao me posicionar contra a liberdade de opinião de nazistas?
Ou seja: a abrangência da regra a tornava impraticável. Como disse o desembargador federal Carlos Moreira Alves, não havia um “referencial objetivo no edital”.
Também não sei se há motivo para proibirmos argumentações que desrespeitem os direitos humanos. Um estudante pode muito bem construir uma boa argumentação para defender, por exemplo, que o trabalho infantil é benéfico mesmo para crianças ricas, pois elas cresceriam mais responsáveis e independentes. Não estaria atentando contra a dignidade das crianças, mas discutindo um consenso contemporâneo.
Uma prova de redação serve para avaliar não as opiniões dos candidatos, mas como eles expressam e justificam suas opiniões. A decisão da Justiça Federal restringe o Enem a sua função primordial: avaliar a clareza do texto e a qualidade argumentativa dos candidatos.
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