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O estupro-espetáculo
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O mais perturbador no caso do estupro de Clara Averbuck é ela ter preferido a exposição à justiça. Depois da agressão, foi ao Facebook e não à delegacia; o desejo de contar aos outros que se tornou uma vítima superou o de punir o homem e evitar que outras mulheres sejam abusadas por ele.

Para quem não soube da história, na semana passada a escritora Clara Averbuck contou no Facebook ter sido estuprada por um motorista. “O nojento do motorista do Uber aproveitou meu estado, minha saia, minha calcinha pequena e enfiou um dedo imundo em mim, ainda pagando de que estava ajudando ‘a bêbada’”. Ela preferiu não recorrer à delegacia. “Não quero impunidade de criminoso sexual mas também não quero me submeter à violência do estado”, disse.

Alguns desconfiaram do relato, disseram que Clara inventou ou exagerou. Mas a história perde a importância se for mentira: não passaria de acusação falsa. Este texto parte do princípio que Clara Averbuck fala a verdade: o caso fica assim mais complexo e relevante.

De acordo de Clara, há um agressor de mulheres solto pelas ruas. É fácil identificá-lo; o Uber provavelmente tem seu endereço. Mas como a escritora não prestou queixa, o homem não será investigado e permanecerá com a ficha criminal limpa. Foi banido do Uber, mas pode estar trabalhando num aplicativo concorrente ou num táxi alugado. Está livre por aí à procura de outras mulheres para abusar ou violentar.

Clara disse em entrevistas não estar em condições para enfrentar o “despreparo e desencorajamento” dos policiais que recebem queixas de estupro. Também reclamou da “sanha punitivista” de quem pede o nome o a foto do agressor.

É verdade que muitas delegacias e institutos médico-legais submetem mulheres a situações constrangedoras. Mas não se deve desistir de fazer justiça diante da primeira dificuldade ou de um possível constrangimento. Lutar pela redemocratização do Brasil ou ajudar na retirada de Dunquerque também exigiu coragem e paciência. Se essas vítimas tivessem esmorecido, provavelmente a ditadura e a Segunda Guerra Mundial se prolongariam. É chato ir à Delegacia da Mulher prestar queixa, mas é necessário.

Vítimas parecem hoje seres mais virtuosos que heróis. Quem foi vítima de intolerância ou violência ganha mais holofotes do que aqueles que pacientemente lutaram por respeito e segurança. É o caso de Clara Averbuck. Ela se contenta com a atenção a si própria que o episódio gerou e não se cobra nenhum heroísmo – ou, muito menos que heroísmo – nenhum esforço para ir à delegacia prestar queixa. Diz sem o menor constrangimento que não vai ajudar a evitar outros crimes do homem que a violentou.

Que coisa estranha desses tempos narcisistas em que vivemos. Vítimas se preocupam mais em tornar público seu sofrimento que em punir e conter agressores.

 

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