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Polzonoff

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Vódega também!

A coisa tá ruça para as coisas russas e não-russas na Rússia

Enquanto empresas ocidentais se retiram da Rússia, aqui no Brasil restaurantes tiram o estrogonofe do cardápio. (Foto: Bigstock)

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Todo mundo que escreve tem uma história assim para contar. O professor de português tira da cartola alguma regra gramatical estranha e errada que, na cabeça do aluno, posteriormente vira dogma, quando não estilo. Tive um professor, por exemplo, que me ensinou que não se podia começar frases com conjunções adversativas. O chamado “mas”. Resultado, passei anos e anos metendo vírgula onde bem cabia um ponto, só para não desagradar o professor – que, àquela altura, nem se lembrava mais da minha existência.

Acho que foi o mesmo professor que me ensinou que o certo é “a coisa tá ruça”, e não “a coisa tá russa”. Durante anos, contudo (às vezes eu ainda reluto em começar a frase com conjunção adversativa), me rebelei contra essa ortografia dogmática que, para mim, não fazia sentido. Se a coisa estava russa, pensava eu em minha ingenuidade etimológica, era porque a Rússia era um país cheio de dificuldades e sofrimento. O cê-cedilha, para mim, era um erro não só gramatical como também ontológico.

Mas acredito que já estou velho demais para ficar de birrinha com o vernáculo. Que seja ruça a situação das coisas russas. E também das coisas não-russas lá na Rússia, uma vez que muitas empresas ocidentais estão abandonando os russos à própria sorte, impedindo-os de se deliciarem com um Big Mac, de beberem uma Pepsi bem gelada ou de usarem papel Neve para assoar o nariz.

Os departamentos de marketing dessas empresas dizem que a estratégia faz parte do esforço de guerra, que tem como objetivo asfixiar economicamente a Rússia ou causar uma revolta de cidadãos incapazes de conter seu vício nas tranqueiras que simbolizam a riqueza do Ocidente liberal. Mas, cá entre nós, acho que tudo não passa de sinalização de virtude. Os riscos dessa estratégia são dois e altos: no caso de um desfecho rápido para o conflito, as empresas terão de botar o rabinho entre as pernas e voltar para o mercado russo tendo um problemão de relações-públicas para resolver. O outro risco é o de que esse mercado seja ocupado por empresas chinesas. A conferir.

Stroganov

Enquanto isso, numa terra abençoada por Deus e bonita por natureza, bem distante do conflito no Leste Europeu, indivíduos se manifestam pelo boicote e até proibição (brasileiro adora proibir) de produtos de origem russa – e não ruça. O furor antibélico alcança até o prato mais falso-rico do cardápio nacional: o estrogonofe.

Pessoalmente, tenho uma relação de muita proximidade com o estrogonofe, que me acompanhou como se sobrenome fosse durante boa parte da infância. Ainda hoje, de quando em quando, aparece alguém que se acha originalíssimo ao me chamar de Paulo Estrogonofe. Quanto ao prato, meu paladar o considera supervalorizado.

Fato é que um restaurante de São Paulo, “em repúdio à guerra”, decidiu banir o estrogonofe do cardápio. E foi o maior auê. Teve gente revoltada não só com a atitude drástica, inútil e, convenhamos, risível, mas também com a grafia da palavra. Segundo o professor Nicolau Olivieri, por exemplo, “é absolutamente urgente uniformizar a transliteração do prato russo” (grifos meus). E o certo seria “stroganov”, e não estrogonofe ou strogonoff. Não sei vocês, mas se eu pedisse stroganov num restaurante teria certeza de que passaria o dia seguinte no banheiro.

A vodca russa também caiu em desgraça. Mas não na dona Maria, que faz as melhores caipirinhas de Caiobá e me assegurou que a Absolut é mil vezes melhor do que a Smirnoff. Vi algumas pessoas sugerindo uma lei (brasileiro adora uma lei) para que a vodca (ou “vódega”, como já ouvi por aí) fosse substituída pelo Corote 100% nacional e sem qualquer ímpeto czarista. Espero que seja brincadeira, mas não apostaria todas as minhas economias nisso.

Usando a guerra por pretexto, nem Dostoievski escapou do cancelamento oportunista. Produções russas foram excluídas de um festival de cinema. Um brasileiro pediu demissão do balé Bolshoi. Montanhas-russas agora se chamarão “montanhas-malucas”. Se eu colocar os canhões de Tchaikovski para dispararem aqui em casa será que corro algum risco? Melhor não arriscar. Aliás, vai que alguém percebe que a semelhança entre meu sobrenome e o prato cancelado não é mera coincidência? Afinal, a coisa nunca esteve tão ruça para as coisas russas, mesmo que elas também sejam ucranianas, italianas, espanholas e sobretudo brasileiras, como é o meu caso.

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