Duas semanas se passaram desde os [FAZ CARA DE IRONIA] atos terroristas [DESFAZ CARA DE IRONIA] do dia 8 de janeiro de 2023. E até agora só me deparei com análises muito sérias, profundas e preocupadas. Nenhuma boa piada. Nenhum comentário espirituoso. Nenhuma sátira digna do nome. Nenhuma polêmica do único tipo que vale a pena: aquela que te faz rir até ficar com dor na bochecha.
O máximo que vi foi algum comentário à toa sobre a divertida imagem do vendedor de algodão-doce no meio dos perigosíssimos terroristas. No começo até pensei que o vendedor de algodão-doce fosse um petista ou agente da Abin infiltrado, ali plantado pelo zeloso ministro da Justiça a fim de deter os velhinhos infligindo neles um golpe mortal em seu ponto mais fraco: a diabetes. Mas não.
Com certeza a esta altura a prestativa Polícia Federal deve estar investigando toda a vida do coitado. Se ele pretendia assumir o Ministério do Algodão-Doce num eventual governo golpista de extrema-direita e extrema-doçura. Se os algodões-doces eram feitos com açúcar produzido numa refinaria controlada por agroindustriais fascistas. Se o doce era mesmo de algodão.
(Pausa para o momento lírico, pois dei uma passada rápida pela infância e agora estou aqui me lembrando de assistir fascinado à confecção do algodão-doce, pensando a única coisa que uma criança pensa nessas horas: só pode ser mágica!).
Tudo, porém, indica se tratar apenas um simples vendedor de algodão-doce que estava por ali, viu a boiada estourar e revolucionariamente gritou: “Quem quer algodão-doce?!”. Aliás, circularam nos últimos dias rumores de que o vendedor estava traficando algodão-doce dentro do campo de concentração da PF. Mentira, claro. Ou melhor, fake news gravíssimas. Afinal, todo mundo sabe que campo de concentração não é colônia de férias, e vice-versa – como disse alguém.
ATENÇÃO!!! Aviso de polêmica
Mas, como eu dizia antes de ser interrompido pelo vendedor de algodão-doce, sinto falta dos eventos históricos tratados com mais leveza. Das autoridades tratadas com o ridículo que lhes cabe. Da gargalhada boba e inócua, capaz de unir golpistas & contragolpistas. E principalmente da polêmica de verdade, aquela que nos faz desviar o olhar para o que realmente importa: o detalhe insignificante.
Peguemos a tela “As Mulatas”, de Di Cavalcanti, por exemplo. Outro dia eu estava passando por um corredor todo espelhado quando fui interpelado por um homem tão bonito que até parecia meu irmão gêmeo. Ele me olhou, arqueou a sobrancelha como um vilão de telenovela e, para meu espanto, disse que a destruição do quadro feioso tinha sido a primeira notícia boa para a cultura brasileira desde que Mario Frias foi exonerado.
Enquanto você se recupera aí dessa opinião polemicona, permita-me esclarecer uma dúvida muito comum entre meus leitores. Ao contrário do que dizem certos sites de fofoca, não, Di Cavalcanti não é pai do Zezé Di Camargo nem irmão do Benito Di Paula. Tampouco tem qualquer relação de parentesco com outro Di famoso, o Didi Mocó.
Esclarecido isso, convém dar uma despistada na turma do “Oh, que absurdo falar mal da nossa arte moderna!", do "Viva a cultura nacional!" e sobretudo do "Viva a Lei Rouanet!” para concordar com o reflexo no espelho: de fato aquela tela ficou melhor com a intervenção revolucionária de um terrorista verde-oliva, provavelmente um connoisseur da única forma de arte genuinamente patriótica: a rupestre. (Ou seria a naïf?).
Sei lá. Vai ver ainda é cedo demais para se fazer piada com algo tão sério e tão trágico para nossa fragilíssima democracia. Talvez as instituições, cientes de seu caráter impermanente, ainda se sintam mortalmente ofendidas [LEVA AS COSTAS DA MÃO À TESTA, QUAL DONZELA DE MELODRAMA] com esse evento que, no futuro, os historiadores retratarão pelo que realmente foi: uma tortada na cara do Estado.
(Mas o palhaço se abaixou na hora agá e a torta acabou atingindo a cara do homem comum, que estava ali só de passagem. Ou melhor, vendendo algodão-doce).
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