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Polzonoff

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"Ensina-me, Senhor, a ser ninguém./ Que minha pequenez nem seja minha". João Filho.

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A descoberta do Brasil: um país nascido da fé e do amor

Detalhe do quadro "Desembarque de Cabral em Porto Seguro", de Oscar Pereira da Silva: não, o pintor não esteve presente ao evento. (Foto: )

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Neste dia*, há 524 anos, um bando de portugueses movidos pela aventura, ambição e fé (e por um tantinho de loucura) aportou numa terra que depois se saberia cheia de árvores cujo tronco é vermelho como brasa: o Brasil. Você consegue imaginar o que se passava na cabeça daqueles homens ao avistarem o monte Pascoal e, depois, criaturas totalmente diferentes das que eles já tinham visto?

Assim de supetão, nem eu. Mas tento e, quanto mais tento, mais me impressiono com a empreitada. O que deve ter sido para Pedro Álvares Cabral, com apenas 33 anos, descobrir aquela vastidão de florestas impenetráveis? No entanto hoje, 524 anos mais tarde, poucos se dão conta da imensidão daquela viagem. Poucos param para admirar uma coragem e uma fé (e uma loucura e uma ambição) que nos escapam. Menos ainda são os que se detêm um segundo para reconhecer: de muitas formas, somos consequência da decisão daqueles homens.

Até por uma deficiência de imaginação, há quem associe o descobrimento do Brasil à viagem à Lua ou à tentativa da conquista de Marte por Elon Musk. Mas são paralelos imperfeitos. Na conquista do espaço, há um grau de segurança próprio da tecnologia. Não que a fé não seja necessária para cruzar o vácuo numa precária cápsula de metal. Mas me parece mais uma fé na capacidade técnica desenvolvida pela Humanidade, e não no verdadeiramente desconhecido.

Pior do que isso, há quem veja no descobrimento do Brasil uma afronta à sua identidade e um ato de extrema vilania. A tal história do branco oprimindo os índios. Uma bobagem que, além de tolher nossa imaginação, nos prejudica enquanto povo. Talvez fôssemos um país melhor se reconhecêssemos os erros dos nossos antepassados e procurássemos entender as circunstâncias deles e os perdoássemos. Algo que serve para índios, descobridores, bandeirantes, escravos e imigrantes que, há 524 anos, acrescentam seu tijolinho deste balança-mas-não-cai chamado Brasil.

Português mais índio

O Brasil pode ter sido descoberto há 524 anos, mas eu só o descobri há uns 10, se tanto. Antes disso, como praticamente todos da minha geração, me esbaldei no esporte de xingar o Brasil. Como um filho ingrato, talvez, embora prefira me justificar dizendo que essa ingratidão me foi ensinada. E, até onde percebo, continua sendo ensinada como uma forma de incutir nos homens a ideia de que eles se bastam e não precisam pertencer a um povo, com suas tradições e cultura distintas.

O resultado dessa doutrinação é um país sem senso de unidade, muito menos de objetivo e bem comuns. Dá no que dá. O Brasil é hoje um país sem respeito pela própria história e sem vultos cívicos nos quais se inspirar. Pior: é um país onde ninguém confia um no outro, porque essa história de português versus índio, e não português mais índio, pegou. Afinal, é tão mais fácil pressupor inimizade à colaboração, não é mesmo?

Nascido da fé e do amor

De volta a Porto Seguro naquele ano de 1500, fico me perguntando o que se passava na cabeça daqueles homens. E desculpe atrapalhá-lo aí no que quer que você esteja fazendo, mas... você não?! Será que é por que você está sem tempo nem vontade (segundona, sei bem como é)? Ou será que lhe ensinaram que não vai fazer diferença nenhuma? Ah, já sei: vai ver você prefere a história que nossas professoras nos contavam e que reduz os descobridores a meros grileiro com ambições de latifúndio.

Eu penso e imagino que ao menos um deles achou que tinha morrido em alto mar e que aquele lugar – este lugar, o Brasil! – era o Paraíso. Ou o inferno, vai saber. Imagino Pedro Álvares Cabral com lágrimas nos olhos e, quando Pero Vaz de Caminha lhe perguntou se estava tudo bem, ele respondeu: “Não, não. É que caiu um cisco no meu olho”. E imagino um chato (talvez Bartolomeu Dias) falando nas implicações históricas daquele momento, blábláblá – ou como quer que falassem os portugueses d’antanho.

Também imagino os índios. Alguns com medo, outros concentrados na destreza de seu arco-e-flecha para afastar aquelas criaturas estranhas. Uns reagindo com o enfado típico de quem não gosta de ver seu sossego arruinado pela chegada das visitas. E num domingo, ainda por cima! E, como sou filho do meu tempo, não posso deixar de imaginar também um índio todo mirradinho, coitado, saindo lá do fundo da oca e dizendo que “não é descobrimento coisa nenhuma!, nós somos os verdadeiros donos desta terra!, não é índio, é povo nativo!”. Etc.

Até que um primeiro índio ofereceu uma índia a um homem branco e, desse gesto, o tal do “cunhadismo”, surgiu a primeira família brasileira. Nem totalmente branca nem totalmente índia. Uma família concebida para que portugueses e índios vivessem em paz e para que os integrantes da nova comunidade sobrevivessem e prosperassem numa terra que, apesar de linda, ainda é bastante inóspita.

O que me traz à conclusão um tanto quanto ufanista (e nem é feriado, hein!) de que, apesar de toda a nossa complexa realidade contemporânea, apesar de toda a violência, das sucessivas crises e da interminável guerra ideológica, o Brasil é, no fundo, um país nascido da fé e do amor. Agora vou ali vestir verde e amarelo e já volto.

* Este texto foi concebido para ser lido no dia 22 de abril de 2024. Se você estiver lendo antes, cuidado! Resista, por favor, resista à tentação de xingar o autor de burro, hahaha, dá zero pra ele, não sabe nem o dia do Descobrimento do Brasil. Se não vai acabar passando vergonha. Se você estiver lendo no dia 22, ótimo, acertou, 10 pontos para você. E se você estiver lendo no dia 23... como vai a vida aí no futuro?

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