Depois de intermináveis, inumeráveis e heroicos anos no exílio, o maior intelectual do BBB, Jean Wyllys, bem como a segunda filósofa preferida do petismo, Márcia Tiburi, retornaram à Pátria amada, idolatrada, salve salve. Como não poderia deixar de ser, o evento histórico chamou a atenção de toda a imprensa mundial e principalmente nacional. Dizem que estava até difícil arranjar um espacinho no aeroporto superlotado de jornalistas, fãs e sobretudo jornalistas-fãs da dupla de mártires da democracia.
Ainda bem que a Gazeta do Povo pode sempre contar com ele, o ubíquo e objetivíssimo colunista social e socialista Athayde Petreyze. Que, por sinal, estava mesmo precisando de um dinheirinho extra este mês. Chamado às pressas para cobrir a volta de Djã e Tiburi ao Brasil, Petreyze largou tudo o que não estava fazendo e, munido de seu gravador Gradiente e de sua fiel Yashika, saiu de casa com tanta pressa que, em busca do furo perfeito, esqueceu até a braguilha aberta.
Com vocês, os melhores momentos do evento que parou o país e abalou as estruturas patriarcais, reacionárias, misóginas, negacionistas, genocidas e hipopotomonstrosesquipedaliofóbicas das comunidades nazistas de Santa Catarina:
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Jean Wyllys e Márcia Tiburi (e, se não eram eles, eram duas pessoas bem parecidas) desceram da aeronave juntos. Do alto da escada, sob protestos dos outros passageiros (provavelmente burgueses neoliberais fascistas), eles acenaram para a multidão que os aguardava no saguão. Pena que o avião teve de estacionar muito longe e por isso só eu, Athayde Petreyze, registrei a imagem. Pena também que minha Yashika estava sem filme.
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Depois de passarem pela alfândega, onde foram adulados pela nata da tecnocracia nacional, Wyllys & Tiburi® finalmente se reencontraram com o solo pátrio. Djã, ao se deparar com a visão de um simples berimbau, ficou tão emocionado que tropeçou numa bandeira do MST e, um pouco a contragosto, acabou beijando o chão deste país ingrato que, há longínquos quatro anos, o obrigou a viver uma vida de sacrifícios na miserável Europa. Tiburi, por sua vez, não conteve as lágrimas. “Que saudade de comer feijão!”, disse ela, visivelmente emocionada.
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Houve um momento de tensão quando um funcionário da limpeza passou pelo comitê de recepção assobiando o Hino Nacional. Na hora, os traumatizados Wyllys e Tiburi, com medo de que fosse um golpe bolsonarista em curso, correram para se esconder atrás de duas crianças que voltavam da Disney. O equívoco, felizmente, foi rapidamente desfeito e o tiozinho da limpeza foi levado pela Polícia Federal para depor no Inquérito das Fake News. “Isso é para vocês verem como o nazismo está entranhado na nossa cultura”, disse um deles, não sei quem porque eu estava distraído pensando o que leva uma pessoa a comprar um berimbau.
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Ao sentir os fogachos do clima tropical, Márcia Tiburi tirou o casaco, revelando uma camiseta que trazia as inesquecíveis palavras de Vladimir Maiakovski, o poeta da Revolução: “В моей земле есть пальмы, где поет дрозд. Птицы, которые щебечут здесь, не щебечут так, как там”. Não me perguntem o que significa. Procurem no Google.
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Enquanto meus colegas dos cadernos de política e cultura faziam perguntas complexas, cheias de referências bibliográficas e notas de rodapé, eu me dedicava ao jornalismo literário e, como um Gay Talese das Araucárias, reparava em detalhes que certamente passaram despercebidos pelos outros repórteres menos talentosos do que eu.
Como, por exemplo, as unhas malfeitas de Jean Wyllys e a cútis pouco hidratada de filósofa, que certamente entrarão para a história como símbolos das dores do exílio. Ou melhor, como cicatrizes de uma dor que jamais poderá ser aliviada, por mais bolsonaristas que o STF venha a prender. “Nada me fará esquecer do dia em que fui obrigada a fazer faxina no meu barraceau de 36m² em Paris”, desabafou Tiburi, generosamente explicando em seguida que a pronúncia correta é “Parrí”.
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Mesmo com jet lag, Jean Wyllys e Márcia Tiburi aproveitaram a ocasião para, dando início ao incansável trabalho de reconstrução do Brasil destruído por Bolsonaro, denunciar as péssimas condições de voo na primeira classe. “A champã é nacional! Nacional! Acredita?!”, perguntou Jean Wyllys, toda a sua indignação no tom de voz algumas oitavas acima do aceitável. Tiburi, por sua vez, disse que pretende processar a empresa aérea por manter em seu catálogo de bordo filmes que promovem o fascismo olavocêntrico. “Achei que ‘O Jardim das Aflições’ podia ser um filme sobre camponeses cultivando angústias marxistas e tive meu intelecto violentado pela narrativa tecnoturbomachofascista”, disse ela.
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“Por falar em tecnoturbomachofascismo, vocês já leram o texto de um tal de Paulo Polzonoff Jr. a respeito do meu curso? Um absurdo! Liberdade de expressão tem limite. É por essas e outras que precisamos urgentemente de uma lei que regulamente as redes sociais. PL 2630 já!!!”, completou Tiburi. Quase me atrevi a fazer jus à minha carteirinha da FENAJ e defender o colega de Gazeta do Povo, mas achei melhor expressar minha solidariedade profissional ficando quieto no meu canto.
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Continuei ali, ouvindo o que diziam os paladinos da democracia. Como num jogral soviético, eles se alternavam nas respostas. Tiburi, as damas sempre primeiro, mostrava todo o seu talento criando termos acadêmicos de improviso (sadoecofilobiopetismo, teocromopaleolulismo, etc), citando filósofos obscuros, mas certamente geniais, e lutando para, in loco, descolonizar seu português oprimido pela língua de Vichy.
Depois vinha Djã, que ensinava a pronúncia certa de Ibiza (“isso, coloca a língua entre os dentes, assim, ó, imitando o Lula, ibissa”) e declamava poesia (“O poeta é um cuspidor/ Cuspe tão revolucionariamente/ Que chega a fingir que é democracia/A ditadura que deveras pretende”). Depois Tiburi. Depois Djã. Aí eu me cansei e fui para casa preencher meu requerimento de adicional de insalubridade.
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