Festa junina do STF é evento filantrópico em prol dos flagelados… da Lava Jato.| Foto: Fellipe Sampaio/STF
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Sérgio Moro, senador e personagem recorrente deste espaço, virou réu no STF. O crime: ter feito uma piada à toa com Gilmar Mendes. Por unanimidade, a 1ª turma, da qual fazem parte o quinteto Carminha, Moraes, Dino, Fux e Zanin, ignorou o animus jocandi, a data incerta do comentário, o fato de o vídeo ter sido divulgado por terceiros e a questionável competência do STF para julgar o caso. E tornou Moro réu.

— Vivemos numa ditadura! — grita alguém.

— É mentira! É fake news! É desinformação! — respondem, às gargalhadas, umas estagiárias da corte, na companhia de uma animada ministra Cármen Lúcia. Que ou está com bigodinho de quentão ou com o batom borrado. Melhor não falar nada. Rindo como se vivêssemos numa democracia plena, elas passam por mim e nem tenho tempo de lastimar: não, senhoras e senhores. Infelizmente não é mentira, não.

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Mau pressentimento

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Ah, esqueci de falar. É que estou na festa junina do STF. O tema deste ano é a democracia, só que algum vândalo, certamente de extrema direita, foi lá e escreveu “relativa” na plaquinha. Mas ninguém percebeu e quem percebeu não se importa. De qualquer modo, a partir de agora eu o convido a me acompanhar num passeio pelo arraiá.

— Não convida que eu quero ir embora cedo, Paulo. Tô com um mau pressentimento — diz minha mulher. Quando ela começa assim é porque está com fome.

— Vamos circular por aí. Encontrar a barraquinha da pipoca... — sugiro e fico observando o tal de mau pressentimento desaparecer. Mágica!

Flagelados da Lava Jato

Organizada pelo festeiro presidente do STF, o ministro Luís Roberto Barroso, o arraiá deste ano tem também um caráter filantrópico. Como explica este caipirinha aqui ao meu lado, o ministro Dias Toffoli.

— É verdade, Paulo. Todo o lucro da festa será destinado a um fundo de amparo...

— ...aos flagelados do Rio Grande do Sul? — tento.

— Não! Aos flagelados da Lava Jato, como o meu amigo Marcelo Odebrecht aqui — diz, e o empreiteiro surge do nada. — Que, aliás, venceu a licitação para a instalação das barraquinhas e a construção da fogueira. Você já viu a nossa fogueira?

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Perdão

Não tinha visto, mas agora estou vendo e é realmente impressionante. Com simbólicos 13 metros de altura, a enorme estrutura é alimentada com inúteis exemplares da Constituição de 1988.

— E se faltar “lenha”? — pergunto.

— Não vai faltar. Mas, se por algum acaso isso acontecer, não tem problema. Temos toneladas de garantias constitucionais e jurisprudências para manter o fogo ardendo — diz ele, antes de me perguntar se eu tinha visto o Lula por aí.

— O Lula? Não vi, não — digo. Ele faz biquinho. Chegam os Joesley & Wesley, a gente fica fazendo piada com veganos. Até que.

— Olha ali o Lula chegando com a Janja! Luláááááá! — diz ele. E sai correndo como um filho desejoso do perdão do pai.

Fantasia

—Janja, você ficou perfeita nessa fantasia de jeca! Combinou muito com você!

— Fantasia? Que fantasia? — pergunta ela.

Arroz-doce

Para desfazer o climão, pergunto se o cavalo Caramelo vai bem e compartilho com Janja uma receita de arroz-doce para ela fazer com o cereal que o maridão está importando da Ásia.

— Aliás, mais uma ótima ideia do Lula! — diz, ou melhor, se intromete Paulo Pimenta. Eu os deixo ali trocando lisonjas falsas e saio de fininho.

Pescaria

Passo pela barraquinha da Pesca Probatória, que este ano ficou aos cuidados do Procurador Geral da República, Paulo Gonet. Compro uma ficha e... ô, ô, ô, quase, mais pra esquerda, mais, mais. Aí. Aí. Puxa!

Pesco uma mensagem no celular do empresário Roberto Mantovani, que diz “Alexandre de Moraes é um bobão”. A prova obtida na pescaria me lembrou do único ser humano que me amedronta mais do que a minha mulher quando ela está fome. Onde será que está ele, hein? Olho em volta e o que eu vejo? A barraquinha do Correio Elegante.

Correio elegante

— Quer mandar algum recadinho para um desafeto político? — me pergunta a moça que está cuidando do serviço. Apesar da fantasia de caipira, reconheço a voz mais fanha do que a minha, o sorriso arrogante, o gestual exagerado, o indefectível celular nervoso numa das mãos, e principalmente o deslumbramento assim meio cafona. Se bem que cafonice combina com festa junina. Pois.

— Não, Dani. Fica pra próxima. A minha mulher aqui tá com fome e...

— Tem certeza? É baratinho e daqui a pouco eu entro ao vivo para anunciar as “notícias” — Ela faz aspas no ar. — Fiquei sabendo que alguém muito importante vai ser preso hoje.

— Bom, já que eu tô aqui, vou mandar um recado pro meu chefe. Diz pra ele que...

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Afrodescendente neuroatípica

Parece que o ministro Flávio Dino chegou antes de nós e por isso acabou o estoque de pipoca. Para minha sorte, porém, ainda resta uma fatia de bolo de fubá. Digo, restava. Porque minha mulher está devorando tudo o que vê pela frente: pamonha, curau, milho cozido, paçoca, pé-de-moleque, afrodescendente-neuroatípica, e até uma buchada de bode que surgiu sei lá de onde.

Barraca do Beijo

— Satisfeita? — pergunto, quando na verdade quero dizer “Mais calma?”.

— Eu nunca tô satisfeita. E tô ficando cansada desta festa. Você não acha que esse texto tá longo demais? — diz ela.

— Talvez. Mas ainda falta citar o Zanin, o Fachin, o Fux... Aqueles dois bananas que o Bolsonaro indicou... Falta também dizer que eu ganhei uma tornozeleira eletrônica no bingo.

— Ah, pula essa parte senão o meu mau pressentimento volta — diz ela. — E não se esqueça do Gilmar!

E, juro!, parece até milagre, porque bem nessa hora a gente passou pela desértica barraca do Beijo, onde Gilmar Mendes oferecia o beiço à degustação pública.

Piada óbvia demais

— Vamos sair daqui! Vai começar a quadrilha! —diz minha mulher, contendo a náusea e apontando para um grupo de petistas.

Apesar de estar contrariado pela piada óbvia demais, dou a mão para a minha sinhá a fim de assistirmos ao espetáculo.

Toca a sanfona e os petistas parecem perdidos, cada um dançando de um jeito. O coreógrafo Alexandre Padilha está todo atrapalhado. Silvio Almeida se recusa a entrar na dança dizendo que o São João é uma tradição típica do racismo estrutural, blá, blá, blá. Marina Silva reclama da fumaça da fogueira. Guajajara reclama da falta de diversidade. Luiz Marinho reclama.

Fazendo par com Simone Tebet, um Haddad todo cheio de si ri quando alguém grita “Olha o aumento de impostos!” e a plateia responde: “É verdade!”. Ao meu lado, uma famosa jornalista fala bem baixinho “Saiba como isso é bom para você”. Mas eu escutei, Miriam.

Não tinha reparado, mas minha mui observadora mulher aponta e, no meio da confusão que só alguém muito ingênuo, otimista ou idiota pode chamar de governo, vejo Nísia Trindade vestida de noiva. Mas sem o noivo.

— Deve estar com dengue! — diz alguém atrás de mim.

Papudinha

Me viro e finalmente encontro ele, Alexandre de Moraes, montado num cavalo branco e com a estrela de xerife reluzindo no peito.

— Sinto muito, Paulo. Mas alguém mandei prender você — diz ele, abrindo um sorriso sádico.

Ele faz um sinal e dois agentes da PF me seguram e me levam para uma prisão improvisada, as grades feitas de bambu e o letreiro jocoso: Papudinha. Lá dentro, encontro presos vários patriotas do 8/1, Daniel Silveira, Filipe Martins e... Bolsonaro? Você por aqui?

Me viro e digo à estátua viva e equestre do ministro:

— Pô, Xandão. Mas eu achava que isso era só uma brincadeirinha de festa junina. Até que horas eu tenho que ficar preso aqui?

Habeas corpus

Ignorando minha pergunta, Alexandre de Moraes sai a galope para salvar a democracia. E eu fico ali, sendo torturado pela minha mulher que, do lado de fora da Papudinha, repete incansavelmente  a ladainha do eu-te-avisei, eu-te-avisei, eu-te-avisei.

— Não se preocupe, a Michele faz a mesma coisa comigo — diz um desconsolado Bolsonaro.

Eis que o xerife Alexandre de Moraes volta com seus capangas. Eles trazem ninguém menos do que o senador e personagem recorrente deste espaço, Sergio Moro.

— Alguém sabe onde eu compro e quanto custa o habeas corpus pra gente sair desta prisão? — pergunta ele.

Sim, o Moro. O Moro fez uma piada. Deve ser efeito do quentão.

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Enfim, a liberdade

Depois de meia hora na masmorra suprema, o sindicato dos jornalistas consegue minha liberdade. Mas vou ter que usar tornozeleira eletrônica. É, aquela que ganhei no bingo.