Adoro o meme que ilustra este texto. Ele mostra uma favela qualquer e um homem no segundo andar de um barraco, de onde sai um balão de diálogo. O conteúdo do balão varia, mas sempre tem a ver com um problema distante da realidade miserável da favela. Um problema exacerbado pelas redes sociais e que dá ao favelado uma sensação de importância desmedida. Neste caso, o favelado do meme diz que “a França acabou”.
Tudo por causa das eleições legislativas no país de Rousseau, e que deram a vitória para a esquerda radical. Se bem que esquerda radical é um termo que tende ao pleonasmo. Enfim, deram a vitória àquele povo liderado por um político amigo de ditadores e antissemita. Não, não é quem você tá pensando. É Jean-Luc Mélenchon, que contou com o apoio de ao menos dois brasileiros notáveis: Chico Buarque e Raí. Significa? Sim, significa.
O curioso é que, quando vi esse meme pela primeira vez, ele fazia troça da esquerda, que há poucos dias estava de-ses-pe-ra-da com a ascensão do centro-direita, direita, extrema direita ou ultradireita – você escolhe o termo mais apropriado ou menos ofensivo. Agora ele serve para os apocalípticos dessa mesma centro-direita, direita, extrema direita ou ultradireita, entre os quais me incluo, e que veem no resultado da eleição o surgimento de um califat français.
Como a gente é exagerado, hein? Também pudera! Tudo está sempre acabando. O tempo todo. O Brasil já acabou e os Estados Unidos já acabaram. Recentemente aprendi que o cinema, assim como já tinha acontecido com a literatura, acabou. O jornalismo? Acabou também. E agora é a vez de a França acabar, ser tomada pelos imigrantes islâmicos e virar um califado. Exatamente como o escritor Michel Houellebecq previa em seu romance “Submissão”.
Esperança e desespero, desespero e esperança
Mas o meme não serve apenas só para aliviar nosso desespero um tanto ridículo por problemas estrangeiros. Correndo o risco de bancar aquele chato que explica a piada, ouso dizer que o meme do favelado preocupado com “questões de Primeiro Mundo” serve também para mostrar como a guerra ideológica desvia nosso olhar. Não é sempre, mas às vezes essa disputa entre esquerda e direita faz com que ignoremos problemas muito próximos, e cuja solução muitas vezes independe do governo xis ou ípsilon.
E não pense que escrevo essas coisas com o dedo apontado para você. Pelo contrário! Escrevo me olhando no espelho e reconhecendo que, diante de vários acontecimentos recentes, como o debate entre Trump e Biden ou a vitória da esquerda na Inglaterra, por um instante me vi como o personagem do meme. Isto é, me ensimesmei e, nesse processo, deixei que teorias políticas e econômicas reagissem com análises e previsões pessimistas. Quando percebi, já estava depositando vagas esperanças em líderes distantes, como Trump, ou me entregando ao desespero apocalíptico de quem diz que o mundo civilizado como o conhecemos acabou.
Com um detalhe: não moro numa favela e, se você está lendo este texto, são grandes as chances de que você também viva com algum conforto, quando não no luxo. Nossos problemas (ao menos os materiais), portanto, não são exatamente os mesmos do favelado retratado no meme. O que, infelizmente, só corrobora para o ensimesmamento que dá origem à cansativa alternância entre esperança e desespero, desespero e esperança.
Aliás, fica a dica aqui para os autores de memes: num cenário de prosperidade e abundância, diante de uma mesa cheia de comida ou num condomínio fechado, cercado por amigos e familiares, destaca-se a figura de um homem que, incapaz de perceber a riqueza que o cerca, uma riqueza (e não estou falando apenas do aspecto material) impensável para nossos pais e avós, está sempre preocupado com o futuro tenebroso que imagina. Se bem que já devem ter feito algo parecido. Esse pessoal é rápido. Só ainda não apareceu na minha timeline.
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