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É raro eu usar este adjetivo, ainda mais acompanhando o nome de um político, mas não é hora para meias-palavras: o deputado Ricardo Barros é um gênio. Só mesmo alguém com uma inteligência avantajada, só mesmo um visionário, só mesmo alguém que pensa com o lado esquerdo do cérebro (ops) para, em pleno Ano da Graça de 2020, propor a elaboração de uma nova Constituição brasileira.
Barros, que foi vice-líder na Câmara nas gestões Lula e Dilma e que hoje atua como líder do governo Bolsonaro (vai entender!), talvez tenha se inspirado na minirrevolução chilena. Mas, se fosse para apostar, diria que ele se inspirou mesmo em Hugo Chávez e outros grandes constitucionalistas latino-americanos. Essa gente cheia de boas intenções e que tem certeza de que o problema de países pobres, atrasados e violentos como o Brasil é o que está registrado, em português semi-inteligível e rigorosamente de acordo com as regras da ABNT, num livrinho.
Não será uma tarefa fácil. Ainda mais num país tão conflagrado e dividido como o Brasil. Mas tenho certeza de que Barros, um homem à frente do seu tempo, previu as intermináveis discussões nas redes sociais, as laudas e mais laudas escritas sobre cada um dos zilhares de artigos, todas as reviradas de olhos da apresentadora enfadada do telejornal e principalmente o anseio por um documento que, de uma vez por todas, deixe claro quem é que manda neste país: o Judiciário.
Tom e forma
Mas me adianto. Porque um dos desafios dos novos constituintes será justamente escolher o tom e a forma mais adequados para a Carta Magna do século XXI. Os reacionários sugerem a repetição da formalidade do texto constitucional, com seus outrossins e por conseguintes. Mas felizmente temos jovens lideranças que impedirão essa aberração e, aqui e ali, distribuirão emojis por todo o texto. “Todo mundo é igual perante a lei”, emoji de coração. “Não pode matar o amiguinho”, emoji de raivinha. “É assegurado a todos o direito à livre expressão”, emoji de gargalhada.
Uma das minhas esperanças em relação à Novíssima Constituição do Brasil é que ela seja sincerona. Uma Constituição que tenha artigos como “São vedados aos servidores públicos salários maiores do que os dos ministros do Supremo Tribunal Federal – mas se quiser pode”. Ou ainda: “É assegurada a separação entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário – mas cabe ao STF a decisão final sobre tudo”. Ou: "Manda quem pode e obedece quem tem juízo".
O maior perigo enfrentado pela ideia de uma Constituição muderna e antenada com o nosso tempo é a possibilidade de que o texto seja contaminado por ideias “sérias”, voltadas para o Bem Comum. É possível que, entre os novos constituintes, o povo-que-não-sabe-votar escolha esse tipo de gente que se diz sensata, mas que todos sabemos serem fascistas. Gente que, na contramão do Espírito do Tempo, vai propor uma Constituição magrinha como a estadunidense, que se limite a proteger o indivíduo do Estado.
Direitos, direitos, direitos,...
Quando todos sabemos que a Constituição serve para garantir direitos, direitos, direitos, direitos, direitos, direitos. E para proibir todo e qualquer tipo de dissidência ou discordância, que são apenas duas palavras que começam com “d” e que servem para ocultar todo o ódio da sociedade opressora racista, machista e transfóbica. Se a Nova Constituição não for escrita em linguagem não-binária, o Brasil estará perdendo uma grande oportunidade.
Aliás, fica aqui a minha sugestão ao deputado Ricardo Barros para que ao menos parte da Nova Constituição seja elaborada pelo povo. É, democracia diretaça mesmo. Talvez se possa organizar um grande sorteio de artigos e incisos e parágrafos elaborados por simples camponeses, por expoentes do pensamento facebookiano, por jogadores de futebol e até por (arght) jornalistas.
De minha parte, sugiro que o texto constitucional inclua a proibição (sob pena de morte) do uso do verbo “poder” em manchetes. Como em “A Nova Constituição pode ser apenas uma piada do nobre deputado Ricardo de Barros”.