Se estou aqui o tempo todo defendendo a liberdade de expressão é porque a vejo mesmo ameaçada por vários inimigos, cada qual com uma causa “humanista” fazendo as vezes de tacape. Tem o Supremo Tribunal Federal e sua questionável defesa da democracia, por exemplo. Tem os identitários e sua busca por algo que os defina. Tem os comunistas de todos os matizes sempre à espreita de uma oportunidade de fazer a revolução lá deles. E tem outros inimigos que vou deixar de fora do primeiro parágrafo para você poder dizer "faltou Fulano, esqueceu Sicrano". À vontade.
Mas há uma questão ausente nesse debate todo sobre cancelamentos, demissões e linchamentos virtuais: a responsabilidade do comunicador em tempos de intolerância e flagrante estupidez. Ou, no caso de Monark, ex-apresentador do podcast Flow, irresponsabilidade. Afinal, não se aborda um tema sensibilíssimo como o nazismo, durante um programa que será assistido/ouvido por milhões de pessoas, muitas delas seus adversários ideológicos, com a cara confessadamente cheia de mé, goró, manguaça, birita.
O cuidado, neste e em tantos outros casos que resultaram no tal do cancelamento (que nada mais é do que a eliminação simbólica e a também simbólica transformação do adversário numa coisa que, por definição, é descartável, como defende a Simone Weil que não me canso de citar), o cuidado nada tem a ver com a submissão ao autoritarismo da turba ignara, movida às vezes por objetivos ideológicos claros e às vezes “apenas” pela necessidade de aceitação do grupo. O cuidado tem a ver com o respeito ao espectador, ouvinte e leitor. Com o respeito ao próximo - onde é que eu já ouvi isso antes?
No contexto específico de Monark e sua fala desastrada, sujeita a toda sorte de interpretações contaminadas por esse sentimento primitivo, de matilha mesmo, que une a esquerda, o uso do álcool (e talvez de outras substâncias psicotrópicas) é um complicador. Que se soma à imaturidade intelectual do apresentador e de sua plateia, que já cresceram nesse ambiente digital marcado pelo descompromisso, pela sem-cerimônia e até pela apatia decorrente da lobotomia cotidiana da cultura pós-moderna – que se mostra avessa à própria ideia "tradicional" de inteligência.
Tivesse sido o apresentador respeitoso não apenas com os convidados, mas sobretudo com sua audiência, Monark não teria precisado recorrer a uma substância para afogar o superego (grosso modo, a estrutura psicanalítica responsável por impedir que façamos "m" o tempo todo). Por falar em psicanálise, vejo ainda um quê, ou melhor, dois quês no episódio: a pulsão de morte e o auto-ódio. Espero estar enganado, e com frequência estou, mas tudo indica que tanto um quê quanto o outro acabarão por desaguar no escoadouro emocional do vitimismo. E aqui não me refiro à pessoa específica, que nem conheço, e sim a Monark com exemplo de um comportamento geracional.
Ousadia & alegria
Liberdade de expressão como a que os liberais (e libertários, claro) defendem pressupõe uma montanha de responsabilidade. Aliás, esta é uma das maiores diferenças entre o liberal e o socialista, seja ele de que grau for: o primeiro acredita que o homem é responsável pelo que diz e não precisa ser tutelado pelo Estado; o segundo acredita que cabe ao Estado impor essa noção de responsabilidade por meio da limitação do discurso.
No caso de uma fala irresponsável, pois, o liberal pressupõe que o indivíduo sabe que arcará com as consequências – que devem ser proporcionais. Já o socialista acredita na censura, no silenciamento, na proscrição, na intimidação – até como forma de ensinar aos outros a ignóbil arte da submissão absoluta.
Aqui, um adendo que a alguns soe como uma contradição, mas garanto que não é: certa dose de irresponsabilidade é necessária para o bom funcionamento de uma sociedade. Toda ousadia é, de certo modo, irresponsável. E algumas, sobretudo no campo das artes, são mais do que bem-vindas. Foi uma “irresponsabilidade” dos impressionistas não se adequarem às exigências do Salão de Paris, por exemplo. Foi uma “irresponsabilidade” do rock pegar uma peça de Bach e transformá-la em “A Whiter Shade of Pale”. Foi uma “irresponsabilidade” de Jerry Seinfeld e Larry David criarem uma sitcom sobre o nada. E assim por diante.
Mas entre a ousadia virtuosa e a estupidez narcisista (acharam que ficaria faltando essa palavra, hein?) jazem incontáveis cadáveres – reais ou simbólicos – de pessoas que cederam à tentação das multidões e por elas foram pisoteadas. Ao se embriagar antes de discutir um assunto sensível a milhões de judeus e que é sabidamente matéria-prima para o discurso de hipócritas e oportunistas de toda sorte, Monark tentou ser irresponsavelmente criativo e ousado. Mas acabou se revelando um péssimo comunicador viciado nos aplausos fáceis que atestariam sua relevância na feira das imposturas (apud Guilherme Fiuza) que são as redes sociais. Ele não merece o linchamento virtual de que é vítima. Mas, homem barbado que é, não pode dizer que ignorasse os riscos.
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