“O que você está disposto a fazer para ver sua vontade triunfar?” Essa a pergunta que eu gostaria de fazer a Alexandre de Moraes se ele me desse a honra de uma entrevista (me liga, ministro!). Na verdade, essa é apenas uma das muitas perguntas que eu gostaria de fazer ao nosso líder supremo. Uma das outras seria: “Até quando, Excelência? Até quando?!”.
Ou melhor, talvez eu fizesse uma pergunta à la Glória Maria (que Deus a tenha!): “O que o senhor sentiu quando matou a democracia para salvar a democracia?”. Se bem que acho que a Glória Maria o trataria por “você”. Ou ainda uma pergunta capciosa bem ao gosto do meu saudoso amigo Geneton Moraes Neto: “Qual obra de Carl Schmitt mais o inspira, ministro?”.
Todas essas perguntas renderiam boas respostas e possíveis manchetes. Ou uma temporada na Papuda, a depender do humor do Supremo Magistrado. Este, aliás, é o problema de se dar muito poder a um homem só, seja no Supremo, na Presidência, na caserna, no sindicato, no condomínio, na empresa e até na família: você começar a se perguntar se o que guia as ações dele é a submissão a algo maior e absoluto ou o cansaço, a fome, o humor.
Por isso é que, não raro, os atos de tiranos dos mais variados graus ganham certo ar animalesco. Às vezes comicamente animalesco, embora não se possa fazer piada quanto a isso. Na União Soviética stalinista, na China maoísta e hoje mesmo, na Coreia do Norte jongunista, eram e são comuns as anedotas de inimigos do regime eliminados porque o líder estava com prisão de ventre. Ou com o ventre solto demais.
Câmera da verdade
Mas a pergunta mais importante da entrevista seria mesmo a do primeiro parágrafo. Calma. Não precisa voltar lá para reler. Eu a reproduzo aqui: “O que você está disposto a fazer para ver sua vontade triunfar?”. Aliás, se me permitem um aparte rápido, essa é uma pergunta que todos deveríamos nos fazer. A todo instante. Tem gente que vai se descobrir disposta a qualquer coisa. Inclusive usar seus semelhantes como mero instrumento, como meio para um fim específico e, vou apostar, imoral.
Outros descobrirão que, apesar da vontade que dá, ah, se dá, há um conjunto de valores mais profundos a nos impedir de cedermos aos nossos impulsos. À nossa vontade. É a ética cristã da misericórdia. Da caridade. Da Justiça. É o que impede, ou deveria impedir, um político de mentir para ganhar uma eleição. É o que impede, ou deveria impedir, um empresário de explorar seus funcionários para enriquecer. É o que impede, ou deveria impedir, qualquer um de insultar o próximo só pelo prazer de estar com a razão.
O que Alexandre de Moraes descobriria se se fizesse essa pergunta? E se a respondesse a mim, olhando na câmera da verdade, numa entrevista exclusiva para a Gazeta do Povo (é só ligar, ministro)? A depender do vento, imagino-o respondendo de várias formas. Ou cita doutrinas e se apoia em slogans travestidos de lugar-comum. Ou abre aquele sorriso prepotente e diz que pela democracia está disposto até a prender um jornalistinha insolente feito eu. Onde já se viu fazer uma pergunta dessas!
Enquanto em imaginação sou algemado, aproveito a oportunidade para contar os bastidores deste texto. Ele deriva da ideia de uma entrevista inventada com Alexandre de Moraes. Daquelas coisas que escrevo e tenho que encher de asteriscos para explicar que é ficção ou, como prefere o entrevistado, fake news. Uma pena que o Departamento Jurídico, em conluio com meu bom senso, conseguiu me convencer da temeridade dessa brincadeira.
Continuando: ou Alexandre de Moraes responde citando códigos e doutrinas e um poeminha do Carlos Ayres Brito. Ou responde cantando uma música da Anitta. Ou, no pior e infelizmente mais provável dos cenários, responde seco que está disposto a tudo – menos, claro, reconhecer os próprios erros. Isto é, menos a reconhecer que seus esforços para proteger a democracia acabaram por destruir a democracia.
“E agora chega de entrevista. Senão te mando pra um Lulag na caatinga!”, ameaçaria ele, sem nenhuma intenção de fazer nada disso. Só para mostrar que pode.
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