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Até quando?

A política como fuga: quando nem Lula nem Bolsonaro têm culpa

Lula
Mais uma foto do Lula. Infelizmente, serão muitas nos próximos quatro anos. (Foto: Ricardo Stuckert)

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É oficial. Não consigo ler mais nada sem que seja em busca de assuntos para este espaço. De Shakespeare a Jorge Amado, passando por Gustavo Corção e Marques Rebelo (minhas leituras recentes), são raras as páginas que não me inspiram a fazer alguma relação com o Brasil de 2023. O resultado é um caderno cheio de anotações ininteligíveis e, por consequência, todo um cemitério de ideias que jamais foram ou irão além da centelha inicial.

Agora mesmo estava lendo Marques Rebelo - um daqueles escritores que um dia foram canônicos e que hoje ninguém nem sabe quem é. E numa das primeiras crônicas que escolho aleatoriamente numa coletânea, me deparo com o autor de “A Estrela Sobe” (nunca li) falando sobre as fugas a que nos submetemos. O álcool. O jogo. A pesca submarina. A coleção de caixinha de fósforos.

Tempos inocentes, aqueles. Em 1954, não passava pela cabeça de Rebelo abordar nenhum dos vícios que hoje nos servem de fuga. Drogas lícitas e ilícitas. Videogame. Netflix. Redes sociais. Sexo. No final das contas, percebo depois de uma releitura, a crônica é só uma desculpa para falar da coleção de caixinha de fósforos que lhe serve de alívio depois de um dia especialmente ruim. Um luxo a que os cronistas de hoje não podem se dar.

Marques Rebelo não fala de política. Ao menos não nesta crônica. Embora nela se encontre uma descrição da fuga pela “malandragem” que se encaixa perfeitamente nos políticos de hoje. Me diga se não: “[a fuga] de salvador da pátria, de cruzado contra o roubo e o golpe, aplicando para esta redentora luta o número mais considerável de golpes, de roubos, de calúnias e de falsidades”. Ele está falando da militância petista ou estou delirando?

A associação automática e a pergunta me fazem imediatamente pensar na maior fuga do nosso tempo. Maior do que as drogas, o sexo, o videogame, o futebol e, obviamente, as coleções de caixinhas de fósforo: a política. E sempre que falo disso aparece alguém para rebater com o argumento velho e surrado do “pelo menos agora o brasileiro acordou para a realidade”. Algo nessa linha.

Até quando?

De fato é muito legal que agora o brasileiro ao menos saiba qual ideologia está por trás do roubo sistemático do dinheiro público. Não muda muita coisa, o roubo continua, mas pelo menos agora a gente sabe o nome e o partido do bandido, bem como a filosofia política que embasa o roubo. Assim a gente pode escolher com mais propriedade o bandido que vai nos roubar.

Mas não dá para negar que a política, muito mais do que um campo de debate e ações visando o bem comum, é para o cidadão comum uma fuga da realidade. O que chega a ser paradoxal, uma vez que a política se pretende justamente a transformar essa realidade. Que seja. O fato é que hoje mais e mais pessoas veem na política, com sua eterna sensação de impotência, com sua indignação permanente, com sua lógica rasteira e apressada, com seu sectarismo e com seu maquiavelismo perverso, um meio de fugir da vida.

Um jeito de encontrar no outro, seja ele uma autoridade ou um militante, o responsável (ou responsáveis) por suas mazelas interiores. Aquelas que a política jamais alcançará. É uma fuga dos sofrimentos que nos irmanam: a louça que se acumula na pia, as dívidas, o amor não correspondido, a doença. E principalmente a consciência dos próprios defeitos. Para que se olhar no espelho se é mais fácil apontar o dedo e dizer que a culpa é do Lula ou do Bolsonaro?

E o mais preocupante: é uma fuga das grandes questões que sempre afligiram e fascinaram os homens. Perguntas que nenhum político jamais será capaz de responder. O que é o homem? Qual meu papel no mundo? Qual o sentido da vida? O que há para além da morte? Indagações que antes nos uniam a Deus e que hoje substituímos pelo estéril “até quando?” repetido à exaustão sempre que nos deparamos com a mais recente sandice dos nossos políticos.

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