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"Ensina-me, Senhor, a ser ninguém./ Que minha pequenez nem seja minha". João Filho.

200 anos

A verdadeira história da independência do Brasil

Cartaz de divulgação do filme "Independência ou Morte", de 1972, com Tarcísio Meira no papel de D. Pedro I (Foto: Reprodução)

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Ainda um mero príncipe regentezinho qualquer, poucas horas antes do famoso grito, naquele distante 7 de setembro de 1822, Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim estava com o pacová transbordando. Sentado à mesa, onde ouvia ameaçadoras mensagens vindas de Portugal, ele se levantou repentinamente e saiu sem dizer nada, mas soltando fogo pelas ventas. "Parece que vou ter mesmo que declarar a independência do Brasil hoje. Justo hoje!", disse. Ou pelo menos assim alguém o ouviu dizer.

O Chalaça foi atrás do amigo, que tinha se sentado sobre um cupinzeiro na colina que margeia o rio Ipiranga. “Posso chegar perto?”, perguntou o Chalaça, temendo que D. Pedro, a quem ele chamava de Pedroca, estivesse se sujeitando à vontade da natureza, como ele lera num livro. “Chega mais. Quero trocar um dedinho de prosa c’ocê”, disse o futuro imperador do Brasil, por algum motivo carregando no sotaque caipira.

Para isso é que servem os amigos. O Chalaça foi lá e se sentou ao lado de D. Pedro. Digo, no cupinzeiro ao lado, porque os dois juntinhos no mesmo cupinzeiro dariam o que falar naquele tempo em que homofobia ainda não era crime equiparável ao racismo. Que, por sinal, também não era crime. “Que que houve, meu bom?”, perguntou o Chalaça. Percebi um sotaque baiano ou estou ficando louco?

D. Pedro falou. E falou e falou e falou. Reclamou da família, dos políticos, da Domitila e até do Laurentino Gomes. “O cara vai e me escreve um livro dizendo que estou com dor de barriga hoje. Vê se pode! Você por acaso já viu um vulto histórico com dor de barriga, ainda mais no dia em que vai tomar uma atitude drástica que virará feriado nacional?”, perguntou D. Pedro a um Chalaça totalmente perdido. Ainda mais porque estava de ressaca, o nobre devasso.

Força de expressão

Levantou-se, então, D. Pedro, respirando fundo. “Vamos lá então, né? Hora de criar essa bagaça chamada Brasil”, disse o príncipe regente para o amigo. “O que é que eu tenho que falar mesmo?”, perguntou. Do bolso, o Chalaça tirou um papelzinho amarrotado, no qual se lia: “Amigos, as Cortes Portuguesas querem escravizar-nos e perseguir-nos. A partir de hoje as nossas relações estão quebradas. Para o meu sangue, minha honra, meu Deus, eu juro dar ao Brasil a liberdade. Brasileiros, que nossa palavra de ordem seja a partir de hoje ‘Independência ou morte!’”.

D. Pedro pegou o papel e ficou ali repassando o texto. “Primeiro que eu não gosto de ênclise, você sabe. Só vou deixar passar porque é um documento histórico e tal. E mais: você não acha ‘Independência ou morte’ um pouco exagerado?”, perguntou. O Chalaça o tranquilizou dizendo que a opção “morte” era só força de expressão, que no fundo os portugueses estavam doidinhos para se livrar do Brasil. “Daqui a duzentos anos isso aqui vai estar uma confusão que você nem imagina”, disse o alcoviteiro da corte. Foi a vez de o quase-imperador não entender patavina. E de seguir com o roteiro.

D. Pedro subiu num pangaré cansado e avançou lentamente até as margens plácidas que muito em breve ouvirão o brado retumbante. Ali perto, diante de um cavalete, Pedro Américo registrava a cena para a posteridade, instruindo protagonistas e figurantes. “Pedroca, mais para a direita. Isso, isso. Aí! Perfeito!”, gritou o pintor. “Agora levanta a espada assim, ó...!” Um tanto quanto enfastiado, como era próprio para um menino de 24 anos, D. Pedro fazia o que o pintor mandava.

Assim que o quadro estava montado, D. Pedro começou a declamar o discurso que com muita dificuldade havia decorado. “Amigos, as Cortes Portuguesas...”, começou. Enquanto falava, o agora-já-dá-pra-falar-que-é imperador vislumbrou o sol que, em raios fúlgidos, brilhava no céu da Pátria naquele instante. Emotivo que era, quase chorou. “... ‘Independência ou morte!”, concluiu, olhando ao redor. A chance de alguém ali falar “então morte!” era pequena. Mas vai quê.

"Estou otimista. E você?"

Terminado o ato solene, D. Pedro I voltou para a colina e para o cupinzeiro. O Chalaça chegou logo depois. “Foi bonita a festa pá!”, disse ele, sem saber que estava plagiando Chico Buarque. D. Pedro I concordou com a cabeça. “É, meu amigo, tá decretada a independência do Brasil”, disse. “Agora é ver no que vai dar. Estou otimista. E você? Digo, aquilo que você falou sobre os portugueses quererem se livrar do Brasil... Não era verdade, né?”, perguntou.

Em silêncio e com o olhar perdido no horizonte, o Chalaça anteviu o futuro. Feriado nacional. Ruas cheias. Verde e amarelo. Hino Nacional. Mas também Lula candidato. Ameaça comunista. STF. Urnas eletrônicas. Imprensa falando em golpe. “Claro que não, Pedroca. O Brasil vai dar certo. Certíssimo!”, disse ele, pândego que só. “Agora venha! Vamos aproveitar a vida e celebrar o florão da América que fulgura enquanto você não abdica do trono, a República não é proclamada, etc”.

Sem entender nada, D. Pedro se levantou. “Será que tem alguma forma de impedir o Laurentino Gomes de falar que eu estava com diarreia hoje?”, perguntou ele ao amigo. “Deixa ele. Nada mais brasileiro e humano do que um herói nacional com piriri”, respondeu o Chalaça, já entornando a primeira de muitas garrafas de vinho.

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