Caro leitor,
Bloquear o Twitter é errado. Quase tanto quanto se referir à plataforma como “X” ou, pior ainda, “X” (pronuncia-se “écs”). É errado, totalmente errado, mil vezes errado e não tem outra justificativa que não a vontade pervertida de um déspota. Mais errado ainda é impedir o cidadão de “usar quaisquer subterfúgios” para acessar aquele site que um dia já foi chamado de rede de microblogs. Mas você já pressentiu que há um “mas” a nos assombrar no final do parágrafo, né? Pois pressentiu certo: mas.
Mas me permita dizer que, nessas questões públicas que afetam a vida de milhões de indivíduos, geralmente as pessoas confundem sua experiência pessoal e intransferível com a experiência coletiva. Sobretudo num tempo de surto de egoísmo e pandemia de ensimesmamento, como o nosso. Se está bom para mim, dane-se o resto – é essa a lógica que norteia esse tipo de questão. E de gente.
Alea jacta est
A Uber sairá do Brasil porque o governo pretende se intrometer na relação de trabalho entre o motorista e a empresa? Não me importo. Prefiro andar de ônibus ou de táxi. O iFood estuda seguir pelo mesmo caminho porque o Ministério dos Direitos Humanos está mais preocupado com quem entrega comida de bicicleta do que com o assédio sexual de autoridades do primeiro escalão? Tô nem aí e acho até melhor e mais saudável preparar a comida em casa. E por aí vai.
Esse é o raciocínio de quem não consegue ver além do próprio umbigo e está disposto a apoiar ou ignorar qualquer medida totalitária – desde que ela não o atinja. E confesso que estou morrendo de medo de continuar com o texto porque existe uma chance pequena, mas não desprezível, de ser confundido com esse tipo de gente fraca, cujos princípios teimam em se moldar às circunstâncias e às consequências pessoais. Será? Bom, vou cometer a temeridade aqui de contar com o bom senso do leitor. Alea jacta est, como diziam os nambiquaras.
Para melhor
Acontece que, pouco mais de duas semanas depois do bloqueio do Twitter no Brasil, sou forçado a reconhecer que minha vida mudou. (E antes que eu escreva “para melhor”, lembre-se de que censurar o Twitter é errado e não tem justificativa). Agora, sim: para melhor. Não muuuuito melhor, porque minha vida já era boa e agradeço a Deus todos os dias por isso. Mas para melhorzinho, vai.
Dissipou-se sobretudo aquela vontadezinha cotidiana de usar os 240 caracteres que me são (eram?) de direito para atentar contra a democracia. Brincadeira, claro. Nunca fui desses. Na verdade, o que se dissipou foi a necessidade de saber, em tempo real, o que meus confrades de timeline pensavam sobre isso, aquilo e aqueloutro. Aquela sensação de que, quando o celular estava longe, o mundo existia sem a minha “indispensável” presença. A impressão de que eu estava sempre perdendo alguma coisa. Sempre. O tempo todo.
Deixar rastro
Ou talvez – me ocorre agora – essa seja uma forma de racionalizar a tirania. De normalizá-la, até. De negociar com a realidade, a fim de não me sentir tão esmagado assim. É uma possibilidade, porque outra coisa que me ocorre só agora é como sinto falta de garimpar as minúsculas pepitas de genialidade. Os aforismos involuntários, os insights, as dicas de livros, filmes e séries, as ideias para crônicas, contos e até romances, mas que jamais passarão de meros tuítes. Sem falar nos memes, com sua estranha magia de provocar riso e raiva e uma miríade de reações - e ao mesmo tempo não provocar absolutamente nada.
Pois é. A vida pode ter melhorado – ou, por outra, pode ter dado a impressão de estar mais tranquila e até silenciosa. Mas essa melhora aparente não compensa a sensação de ter meus pensamentos tutelados pelo Estado. Pela visão de mundo estreita e medíocre de Alexandre de Moraes. Eu, que só queria postar uma frase de efeito aqui, um trecho da autobiografia do Stefan Sweig acolá. Mas que perdi a liberdade sagrada e natural de, voluntariamente, sem que houvesse qualquer tipo de coerção, fazer o certo um dia, errar no outro, me arrepender, aprender, tentar. Ou seja, deixar rastro.
Aquele abraço do
Paulo
P.S.: Semana passada, por causa do Entrelinhas especial do 7 de Setembro, não consegui escrever esta carta. Desculpe. E espero que você tenha sentindo falta de receber esta missiva. Tanto quanto eu senti falta de enviá-la.
P.P.S.: Agradeço ao meu primo Vladimir Polzonoff Neto, que mora em Paris, Texas, por me enviar todos os dias um resumo das tretas que continuando rolando no Twitter.
[Esta coluna é uma reprodução da carta que chega à caixa postal dos assinantes toda sexta-feira. Se você ainda não se inscreveu, lá em cima, logo depois do primeiro parágrafo, tem um campo para isso].
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