Ouça este conteúdo
Ufa. Ontem (9), consegui resistir à tentação de escrever sobre a invasão do Congresso, do Palácio do Planalto e de um barraco brutalista do Niemeyer, que, diz a lenda, um dia já abrigou grandes juízes. O quebra-quebra, carinhosamente chamado de “Putz de Brasília” por um amigo que apostou comigo que vocês não entenderiam o trocadilho, serve agora de pretexto para todo tipo de perseguição. Os covardes que nos cercam estão assanhadinhos por causa disso.
Sei disso porque ontem aproveitei meu silêncio para refletir sobre as sábias palavras do padre Antônio Luciano, da Igreja da Ordem. Durante a homilia, ele falou da importância do silêncio, do excesso de ruído em que vivemos e sobre a contemplação. Uma palavra tão linda que eu gosto de ficar só olhando para ela, em silêncio, repetindo baixinho “contemplação, contemplação, contemplação”.
As palavras do padre atingiram em cheio essa alminha pecadora aqui. Tanto que a primeira coisa que fiz ao saber da baderna cívica que estava ocorrendo em Brasília foi [ganha um algodão-doce quem acertar!] contemplar. O que, suponho, me torne automaticamente um fascista para os covardes que nos cercam. Aqueles que estavam assanhadinhos no primeiro parágrafo e que, se chegaram até aqui, devem estar mais assanhados ainda.
Covardes que nos cercam
E, só porque estou lendo “The World: A Family History”, de Simon Sebag Montefiore (recomendo!), me senti um poeta latino observando as invasões bárbaras e tendo de reconhecer que havia nos visigodos, ostrogodos, jutos e vândalos mais dignidade do que nas cortes romanas corrompidas por vícios de toda sorte. De qualquer forma, contemplei as cenas todas que me chegavam, aqui e ali pensando nos covardes que, naquele mesmo instante, babavam diante de mais essa oportunidade que agora terão de impor sua vontade, por meio de uma Ditadura da Covardia.
(Ainda que toda ditadura seja uma Ditadura da Covardia, do homem inseguro que precisa subjugar o outro a fim de se passar por corajoso, esta que já se anunciou e que agora desfila toda calva e garbosa por entre as manchetes dos pasquins esquerdistas é especialmente covarde, porque se esconde atrás das mesóclises, dos latinórios e de todas as mesuras cafonas dos tribunais para fazer valer sua moral podre e torta).
Me refiro aqui aos covardes distantes, que conhecemos de má fama e cujos nomes estão por aí, enfeitando as matérias da imprensa militante – também ela covarde. Mas também estou falando dos covardes próximos, aqueles cujos nomes conhecemos e com os quais já brindamos na mesa do bar; aqueles que nos deram parabéns nos últimos muitos aniversários; aqueles sempre dispostos a curtir nossas postagens nas redes sociais. Aqueles que não assumem, mas no íntimo sabem que são. Covardes todos que, em silêncio ou, pior, discreta e sorrateiramente, neste exato momento estão por aí (e por aqui) inventando justificativas para apoiar uma ditadura.
Quando dei por mim, já não contemplava as hordas bárbaras. Tinha olhos apenas para eles, os covardes que evidentemente não se verão nestas e em tantas outras linhas já escritas sobre eles. Os covardes emaciados pela soberba, que andam arrastando os pés, que cumprimentam com a mão mole, que se escondem sob a falsa diplomacia própria da covardia.
“Covarde é aquele que troca o certo pelo que lhe convém”, pensei e agora escrevi. E foi bom que tenha pensado e escrito isso, porque eu precisava mesmo de uma frase de efeito para encerrar a crônica antes de pedir licença e sair para vestir o ridículo e patético traje de um «heroísmo» (tão ridículo que exigiu aspas francesas) que não combina nada comigo, um escritorzinho de província que preferia falar de poesia a ter de escrever coisas como "Abaixo a ditadura!".