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Polzonoff

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"Para nós, há apenas o tentar. O resto não é da nossa conta". TS Eliot.

Sempre rir, sempre rir

Aconselhado por Bolsonaro, Putin decide invadir a Ucrânia

A sensação de superioridade intelectual e a sisudez insuportável dos antibolsonaristas psicóticos os levaram ao ridículo de corrigirem uma peça de humor. (Foto: Reprodução/ Twitter)

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Reconheço que chego com algum atraso ao Debate Público. É que o ônibus atrasou. Foram dois dias entre sacolejos, me desviando das crateras intelectuais e dos promontórios de afetação de Twitter, Facebook e Instagram. Chego cansado, mas inteiro. Todo amarfanhado, pergunto ao primeiro leitor que encontro: ainda sei escrever? Ele responde com outra pergunta: algum dia você soube? E assim sou recebido na Arena.

O que foi que perdi nos últimos dois dias? Ah, sim. Tateio os bolsos da calça e encontro alguns bilhetes amassados. Num deles se lê o nome de Sérgio Camargo. Levo uns segundos até me lembrar de quem se trata e o que queria falar sobre ele. Nah. Não estou interessado em explorar a covardia de quem chama de vagabundo alguém que não pode se defender porque foi assassinado.

Noutro pedaço de papel em forma de bolinha leio “Lula”. Sem me deter muito no assunto, amasso o papel novamente e o jogo para a Catota, até me lembrar de que estou num espaço público, não em casa. Desculpe. Um terceiro pedaço de papel é mais difícil de decifrar. Espremendo os olhos como se fosse fazer diferença, leio “caminhoneiros”. Mas, sinceramente, escrevi com tanta pressa que pode ser qualquer outra palavra.

Estou ali, escolhendo o vespeiro a ser cutucado com vara curta (eu sei, eu sei), quando um leitor me chama para um canto. Vou porque, se não for, este diálogo não acontecerá e o texto ficará todo capengão. De dedo em riste, ele me cobra: “Ô, parça, que história é essa de que o Putin invadiu a Ucrânia ao ouvir os conselhos de Bolsonaro?”. Digo que é uma ideia para atiçar a imaginação do leitor. “Minha?!”, pergunta ele, exaltadinho. “Então anda logo com isso que não tenho tempo a perder”, manda. Penso em responder que, meu amigo, você já leu quatro parágrafos até aqui. Mas desisto e.

Afetação

É incrível como as pessoas sacrificam a própria dignidade em troca de aceitação. No afã de se dizerem pertencentes ao exclusivo e virtuoso clubinho dos que odeiam o atual presidente, várias pessoas correram para corrigir algo que era evidentemente uma peça de humor: os muitos memes que diziam que Jair Bolsonaro, por intervenção divina ou uma megacapacidade de convencimento, evitou a guerra entre a Rússia e a Ucrânia.

Qualquer pessoa com um mínimo de senso de humor era capaz de identificar que a graça do meme estava justamente em ridicularizar (e, às vezes, autorridicularizar) os que enxergam nos atos do presidente apenas virtudes – e as maiores virtudes do mundo. Mas não deu outra: o pessoal que quer ter o controle da verdade se pôs a emendar a piada e, sisudamente, acusar quem estava rindo de, sei lá, humor político-doloso feio bobo cara-de-mamão e do mal. Ou qualquer outro crime do gênero e que só existe em algum Código Penal na cabeça de uns ministros aí e que, pode apostar, será usado contra você se um deles quiser.

Nessas horas, a esquerda e os antibolsonaristas psicóticos acabam revelando toda a estreiteza de sua visão de mundo mui racional e fria, e a amplidão de uma hipocrisia maquiavélica. Afinal, se por algum motivo Putin tivesse de fato invadido a Ucrânia antes de apertar a mão de Bolsonaro, essas mesmas pessoas estariam apontando a sério algum tipo de responsabilidade do presidente brasileiro. "Putin invade a Ucrânia depois de se aconselhar com Bolsonaro", ler-se-ia (desculpe, pisei numa mesóclise daquelas bem fedidas) naquele jornal lá. Ou então: "Putin decide invadir a Ucrânia para não ter de receber Bolsonaro". Ou coisa assim.

É uma hiperpartidarização ou hiperpolitização ou hiperestupidificação da vida. Com todo o respeito, é um preço alto demais a ser pago pela aceitação do grupinho. É, para usar um termo que ouvi recentemente do diplomata Gustalvo Maustasch (o mesmo do “antibolsonarismo psicótico” do parágrafo anterior), uma instrumentalização da indignação, quando não dessa ansiedade contemporânea paradoxal que, por pavor da intolerância imaginária, é incapaz de, no mundo real, tolerar as menores diferenças. E de rir inocentemente de si e dos outros.

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