Estou há algumas horas diante do computador. Abro o Word e leio três palavras que escrevi logo cedo: “agências de checagem”. De lá para cá, já perdi as contas de quantas rondas fiz pelas redes sociais, de quantas vezes acariciei a Catota e de quantos banhos tomei na esperança de me banhar em inspiração. Ou de pelo menos me limpar da repulsa que essa excrescência jornalística, política e moral me desperta.
E nem é tanto pelo financiamento ou pela escravidão ideológica clara. Quero dizer, os colegas precisam botar comida na mesa da quitinete que dividem com cinco gatos e uma estante cheia de mangás. E desde que o mundo é mundo há quem tenha nascido preso aos grilhões invisíveis da utopia. Uns até tem certo orgulho disso. Não, não é o financiamento nem a escravidão ideológica. O que é, então?
O pior de tudo é que vi esse ovo da serpente sendo chocado. Numa das últimas conversas que tive com um ex-professor de jornalismo da UFPR, ele me disse que tinha perdido a vontade de dar aulas porque “essa geração aí não quer saber de nada”. Na época, achei o papo meio besta. Coisa de gente nostálgica. Mas hoje, ao perceber a soberba com que as agências de checagem sacrificam a realidade no altar da utopia, entendo o que o o ex-professor estava querendo dizer. E sinto mais dessa raiva da qual preciso me livrar até o fim deste texto. Por favor!
Modular o discurso
Depois de insistir na etimologia racialmente fantasiosa de “criado-mudo” e “denegrir” e depois de sair por aí carimbando peças humorísticas como se fossem notícias falsas criadas para denegrir a democracia (e outros chavões sentimentaloides do gênero), as agências de notícia agora querem modular o discurso. O que é uma maneira pernóstica de dizer que elas querem (prestem bem atenção a isso!) controlar como as pessoas reagem a certas notícias. Não por acaso, no fim de semana uma dessas agências de checagem comparou a inflação anual do Brasil com a inflação mensal da Argentina para dizer que Jair Bolsonaro tinha exagerado ao comparar os dois índices. Dessa forma, você não estaria reagindo a um possível erro factual, e sim ao tom do "erro".
A mim me falta imaginação para conceber uma pessoa ou um grupo de pessoas tomados por tamanha soberba e tão incapazes de perceber o ridículo da empreitada a que se dispuseram por trinta dinheiros e um afagozinho na autoestima ideológica. É uma soberba (a palavra é importante) que revela o verdadeiro intento por trás das agências de checagem: impor uma realidade supostamente (e bota supostamente nisso!) objetiva, científica ao extremo e imune a interpretações, inclusive as equivocadas, e ao riso. Eis aí o motivo da minha repulsa maior: as agências de checagem querem tirar de você, leitor, espectador e ouvinte, o livre-arbítrio. Querem transformá-lo num receptor semiautômato de verdades oficiais. Você vai deixar?
Com seus criados-mudos racistas, suas catacreses a ferro e fogo desmentidas e suas porcentagens dadaístas, sem falar na falta de estilo, as agências de checagem pervertem o jornalismo a ponto de despojá-lo de qualquer honra e dignidade. A ponto de reduzi-lo à miséria moral de um desses doidinhos de comunismo, do tipo que vai correndo trocar a esmola por duas pedrinhas do Marx que ele fuma no cachimbo gramsciano. Não é à toa que hoje escrevo para uma plateia muitas vezes hostil, que repele qualquer esforço para conferir leveza ao noticiário. E adianta pedir para não ser confundido com um desses “agentes de transformação social” aí?
Talvez você não se dê conta da gravidade que é a existência de um grupo de pessoas que se considera no dever de atestar a veracidade ou mentira de tudo. Talvez você não se dê conta do quanto isso reduz o nosso já baixo nível de confiança uns nos outros. Talvez você não se dê conta da influência que isso tem na forma como você enxerga o próximo, isto é, como um aliado ou adversário, amigo ou inimigo. Talvez você não se dê conta de como esses “agentes de transformação social” estão moldando a forma como você pensa a sua vida e se relaciona com essa porçãozinha preciosa que o habita e que ainda prefiro chamar de “alma”.
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