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Acordei com aquele bom humor irritante de sempre. Mas antes mesmo de o sol romper a neblina típica do outono curitibano, me tornei amargo ao ver que, por exemplo, o STF pretendia instalar telões para transmitir o julgamento do Marco Temporal. A decisão acabou adiada, mas àquela hora eu ainda não sabia disso. Logo em seguida, dei de cara com outra notícia: o governo anunciou o lançamento de um edital para pesquisar o racismo algorítmico. Racismo. Algorítmico. E as notícias ruins foram se sucedendo, até que assim, do nada, parei para pensar: ainda tem muita gente boa no mundo.
Tem. Elas não ganham as manchetes nem viralizam. Mas existem. E aos montes. Talvez até você que me lê neste momento seja uma dessas pessoas boas. Ou será que não? Ah, claro que você é uma pessoa boa. Até porque não conheço ninguém que, diante do espelho, estufe o peito para se dizer mau. A maldade nos envergonha. Mesmo Alexandre de Moraes só comete suas maldadezinhas cotidianas porque se considera uma pessoa boa. Mas não é dessas pessoas iludidas pelo amor-próprio que quero falar. É de gente boa. Boa de verdade.
Antes de continuar, porém, preciso enfatizar a agonia daqueles primeiros minutos da manhã, quando deixei a esperança de lado, entrei nas redes sociais e fui absorvendo o fel mais amargo do mundo. Alguém xingava alguém e eu: ainda tem muita gente boa no mundo. Alguém acusava alguém e eu: ainda tem muita gente boa no mundo. Alguém humilhava alguém e eu: ainda tem muita gente boa no mundo. Como se precisasse me convencer de uma realidade que intuitivamente reconheço, mas que o mundo de aparências insiste em negar: tem muita gente boa neste mundo.
Gente boa, não perfeita. Por sinal, essa talvez seja a maior falácia de um tempo, o nosso, viciado em falácias: o homem bom (às vezes também chamado de “cidadão de bem”) tem que ser perfeito. Nada menos do que perfeito. Imaculado. Como se qualquer gesto de caridade ou misericórdia perdesse o sentido e o valor por causa de um defeitinho ou de um erro num passado remoto. Como se não fosse admirável o homem que hoje se deixa humilhar só porque um dia ele falou um palavrão ou cedeu à tentação de humilhar também.
Desculpas convenientes
Insisto: ainda tem muita gente boa no mundo. Tem gente que estende a mão. Tem gente que diz “bom dia”. Tem gente que sorri. Tem gente que ouve. Tem gente que, diante da tentação de falar, se cala. Tem gente que ensina. Tem gente que perdoa. Tem gente que reza. Tem gente que se esforça para ser melhor a cada dia. Tem gente que se sacrifica sem alarde. Tem gente que brinda à amizade. Tem gente que se sabe pequeno, ridículo e limitado. Tem gente que se reconhece humano e não almeja ser nada além disso.
O que não quer dizer, em absoluto, que só haja gente boa no mundo. Em nenhum momento eu disse isso e, se você interpretou assim, talvez esteja na hora de rever os advérbios que você inclui na leitura à revelia do autor. Tampouco estou dizendo que as pessoas boas sejam em maior número do que as más. Pelo contrário, a experiência me diz que, até pelo estrago que causam e o ruído que fazem, as pessoas más são mesmo mais numerosas do que as boas.
Mas isso não vem ao caso. A vida não é uma questão de aritmética nem a salvação é uma contabilidade simples dos bons e dos maus feitos. No mais, o objetivo desse texto é fazer com que você, ao menos por alguns minutos, pare para se dar conta de um fato inexorável: ainda tem muita gente boa no mundo. Tem. E neste exato momento, agorinha mesmo antes do fim do parágrafo, é bem possível que aí bem perto de você alguém esteja fazendo uma bondadezinha à toa. Duvida? Pode olhar em volta. Eu espero.
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Ainda tem muita gente boa no mundo. E, para aqueles que não são, mas desejam se tornar, fica aqui um conselho do velho sábio que ainda não sou, mas quem sabe um dia: ao menos por hoje, pare de usar as más notícias ou a indignação política como uma desculpa conveniente para essa maldadezinha que cometemos em nome da “verdade” ou da “liberdade” ou de noções subjetivíssimas de justiça. Porque nenhum governante, em nenhum regime do mundo, foi, é ou será capaz de proibi-lo (sim, você mesmo!) de fazer o bem. Em todo caso, se não disse isso antes (ou se não ficou claro), faço questão de dizer: ainda tem muita gente boa no mundo. E como tem!