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Para usar um termo de que os misesianos tanto gostam, não há incentivos para que se busque uma alternativa ao lockdown.
Para usar um termo de que os misesianos tanto gostam, não há incentivos para que se busque uma alternativa ao lockdown.| Foto: Bigstock

No meu texto sobre a frustração que é mais um lockdown depois de um ano de pandemia e vários fracassos, houve leitores que, bem-intencionados, me cobraram uma solução para o problema. Criticar é fácil, disse alguém me criticando facilmente. Mas se não apontei uma alternativa para as chamadas “medidas restritivas” é por problemas que vão bem além da minha óbvia incompetência no manuseio de tubos de ensaio.

O primeiro e mais evidente desses problemas é a pura teimosia dos nossos líderes que insistem em decretar lockdown sempre que a água bate no queixo. Quem estudar a genealogia dessa ideia, vai encontrar raízes no totalitarismo chinês e na arrogância cientificista dos modelos matemáticos. Digo, quarentenas sempre foram usadas para se conter doenças. Mas nunca tão poucos isolaram tantos com efeitos tão catastróficos para a economia e nulos para a pandemia.

A certeza de que os lockdowns são não só o melhor, mas principalmente o único caminho para conter a Covid-19 é tamanha que qualquer um que propusesse uma alternativa seria imediatamente chamado de louco. Ou conspiracionista. Ou negacionista. Ou gado. Ou qualquer outro termo desumanizante que se tenha à mão. A pandemia foi politizada a tal ponto que simplesmente impede que se busque uma solução que não o lockdown.

O que é até compreensível. O lockdown pode até ser inútil para conter a transmissão do vírus, mas é um inegável trunfo político. Entre outras coisas, ele mostra à população que o governante está fazendo algo. Está agindo. Mostra ainda que o governante está alinhado com o que há de mais moderno no mundo (“ah, porque na Itália não sei o quê, não sei o que lá”). Se os casos diminuem por motivos alheios ao lockdown, ponto para o governante. Se aumentam, ponto para o governante também – pelo menos ele tentou.

Os efeitos colaterais dos lockdowns todo mundo conhece. São a destruição da economia e, pior, muito pior, a destruição de vidas. Não da forma espetaculosa da Covid-19, com seu mortômetro diário e o medo de que tenhamos cadáveres empilhados nas portas dos hospitais. É uma destruição pequena, a conta-gotas. Uma destruição que não pode ser mensurada pelos gráficos do Zé Planilha e que, por isso, passa despercebida.

Para usar um termo de que os misesianos tanto gostam, não há incentivos para que se busque uma alternativa ao lockdown. Pelo contrário. Qualquer um que fizer isso terá de se submeter a um calvário. Imagine, por exemplo, que você é um cientista que descobre que, sei lá, chá de boldo não cura, mas ameniza bastante a Covid-19. Você se daria ao trabalho de comprar essa briga contra os hunos da ciência? Contra os governadores e suas soluções fáceis? Contra o Supremo e sua sanha ó-tão-iluminista? Nem eu.

Degredo intelectual e moral

Para que se procurasse uma alternativa aos lockdowns, seria necessário que fôssemos governados, ou melhor, liderados por pessoas. Por homens-completos. Por seres humanos. E não por personagens viciados em eleição ou, pior, indivíduos no sentido aynrandiano do termo. Não por técnicos ultra especializados que, por definição, têm sempre um conhecimento profundo e estreito sobre qualquer assunto.

Toda essa discussão e discórdia em relação às medidas restritivas têm pouco a ver com uma crise sanitária propriamente dita. Digo, há mortes, sim, mas não cadáveres empilhados nas calçadas, como gostam de nos amedrontar alguns. Estamos bem distantes de uma catástrofe como a da Peste Negra ou da Gripe Espanhola. Nem na África, o “continente indigente”, a Covid-19 está fazendo o estrago que os mais pessimistas previam.

A discórdia, a interminável discussão, o julgamento sumário e a condenação definitiva ao “degredo intelectual e moral” de quem vai contra a maré têm mais a ver com uma crise de identidade do homem contemporâneo. Nos falta (e aqui a primeira pessoa do plural é importante) coragem, humildade e sobretudo autocrítica para vermos que essa fortaleza que construímos e à qual demos o nome de “ciência” talvez tenha sido construída com um concreto menos resistente do que o ideal. Nos falta coragem, humildade e autocrítica para colocarmos a bola no chão e ostentarmos, orgulhosos, o velho dito socrático do “só sei que nada sei”.

Não tenho, porém, qualquer esperança de que isso vá acontecer. Não enquanto estivermos morrendo de medo do dedo que nos aponta a fantasmagórica Opinião Pública. Imagine, por exemplo, se um governante vem a público para dizer que, a despeito da curva ascendente ou qualquer outro termo cafona do gênero, prefere fazer nada a violar liberdades individuais e destruir a economia local.

Enquanto ninguém tiver a coragem de optar pelo que é certo e não pelo que é útil, independentemente de consequências eleitorais de curto prazo, seremos como o impulsivo e tolo Hamlet e optaremos por agir, simplesmente agir, como uma criança que enfia seguidas vezes a mão no formigueiro para tirar de lá um chiclete velho.

E, no entanto, tendo a acreditar que, a longo prazo, um líder que optasse racionalmente pela inação seria desejável a qualquer outro líder que, temeroso de ser chamado de genocida ou negacionista, tomasse as decisões ilógicas, imorais e autoritárias que estão sendo tomadas. É o que venho dizendo já há algum tempo: aos nossos líderes falta perspectiva histórica. Deu no que deu, está dando no que está dando e vai dar no que vai dar.

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