Estava lendo (e rindo) pela segunda ou terceira vez a matéria do meu colega Gabriel de Arruda Castro sobre o curso de lacração dos funcionários do TSE. O “barriguinha” no título é de uma sutileza genial. E a melhor parte do texto é quando a palestrante compara o racismo estrutural à estrutura de um prédio – e mostra a foto de um prédio. Tudo no texto é muito real e verdadeiro, e não só porque confio no autor da reportagem. É que é impossível inventar uma patuscada dessas.
O Gabriel também foi muito feliz ao informar os salários dos funcionários envolvidos no curso de doutrinação que pretende transformar os funcionários do TSE em militantes da infame Agenda 2030 da ONU: todos na faixa dos R$20 mil, exceto por uma “oprimida” que ganha apenas R$14 mil. Tadinha. Os valores despertaram ainda mais a ira de quem leu a matéria para descobrir no que será gasto o dinheiro arrecadado com os novos e estratosféricos impostos do ministro Haddad – aquele que dá gosto chamar de Taxad. Por que não?
Ali pela quarta ou quinta leitura, porém, minha visão sobre esse mundinho que vive uma distopia não tão particular assim, a bolha dos funcionários públicos muito bem remunerados, começou a mudar. Deixei a ira cidadã de lado e fui tomado por algo mais incômodo que vou chamar de pena. Porque comecei a pensar no tédio de que sofrem essas pessoas, muitas delas jovens cheios de energia, fechadas em seus gabinetes existencialmente claustrofóbicos, ocupadas em encontrar sentido para suas vidas entre uma eleição e outra. Ou melhor, entre um nada e outro.
(Mas antes de continuar quero dizer que minha mulher - sempre ela! - veio aqui, leu este texto por sobre meu ombro e reclamou da generalização que faço dos funcionários públicos do TSE. Expliquei para ela, e agora explico para vocês, que estou generalizando mesmo. Mas reconheço que há exceções. Não conheço nenhuma, pero que las hay, las hay. Tudo certo agora? Posso continuar, Dani?).
Parque de diversões
“Mente vazia, oficina do diabo”, diz o ditado – e não é preciso ser muito perspicaz para perceber que o tinhoso construiu todo um complexo industrial de maldade (ainda que não-intencional) na cabecinha ociosa desses ultraprivilegiados. Desses jovens que, se me permitem a sociologia de botequim a esta hora da manhã (ou da tarde ou da noite; vai saber a que horas você está lendo!), se julgam melhores do que os pobres mortais (nós) que pagam seus salários porque passaram num concurso público ou têm os contatinhos certos nos cargos certos.
Daí aquilo que por falta de termo melhor vou chamar de pena. Ah, se ao menos os funcionários do TSE tivessem valores morais sólidos. Ah, se ao menos eles tivessem ambições espirituais verdadeiras. Ah, se ao menos não tivesse se deixado levar pelo canto das sereias da Ilha da Tecnocracia. Ah, se fossem um pouquinho humildes. Um pouquinho só. Ah, quanta diferença real eles seriam capazes de fazer no mundo.
Na condição de funcionários públicos, cidadãos e principalmente seres humanos, imagino que eles se sentiriam muito mais realizados se usassem o tempo livre, a capacidade de organização e até mesmo a fortuna de dinheiro público de que dispõem no TSE para promoverem cursos e seminários realmente engrandecedores. Cursos e seminários sobre temas importantes, que dialogassem com o mundo real – e não com o parque de diversões das pautas identitárias, com a montanha-russa do racismo, a roda-gigante da gordofobia ou o trem-fantasma do feminismo.
Garanto – la garantía soy yo! – que eles se sentiriam muito mais úteis e realizados. E talvez dispensassem os ansiolíticos e os antidepressivos para dormir com a deliciosa sensação do dever cumprido ao testemunharem a construção de algo virtuoso e duradouro. De uma obra erguida sobre a rocha da imperfeita civilização judaico-cristã que nos trouxe até aqui. E não sobre essa areia pós-moderna multicolorida e suscetível às marés que é a ideologia.
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