É digna de entusiasmo a indicação do agrônomo Alysson Paulinelli ao Prêmio Nobel do Paz. Mas, a julgar pelo que consta no documentário “Cortina de Fumaça”, da Brasil Paralelo, não será dessa vez que teremos um Nobel para chamar de nosso. Isso porque, embora a revolução alimentar comandada por Paulinelli tenha sido e ainda seja um dos pilares da relativa paz que vivemos no mundo, quem disse que os europeus estão de fato interessados em paz?
Paulinelli, que contribuiu como poucos para o aumento da produção de alimentos no mundo, barateando toda a cadeia de produção e permitindo que, hoje, você não precise gastar metade da sua renda com alimentação, é um dos pontos altos do filme. Que, como todo documentário, defende uma tese. No caso de “Cortina de Fumaça”, a tese é a de que esse barulho em torno do desmatamento da Amazônia tem dois objetivos: prejudicar o agronegócio e se apropriar dos recursos naturais da maior floresta tropical do mundo. Uma tese da qual respeitosamente discordo. Mais sobre isso nos parágrafos seguintes.
Para alcançar seu objetivo nessa espécie de guerra fria neomercantilista, os países ricos fariam uso de três armas: as ONGs, os índios e o bem-intencionado, mas profundamente ignorante, para não dizer infantil mesmo, movimento ambientalista. E é aí que, a meu ver, a narrativa se perde um pouco. Afinal, ela parte do pressuposto de que os interesses mercantilistas dos países ricos seriam capazes de articular eficientemente essa bilionária máquina de propaganda. Algo de que, por instinto, desconfio.
Afinal, isso caracterizaria um megaconluio internacional, com amplas ramificações por todos os estratos da sociedade, e bilhões e bilhões de dólares investidos numa causa incerta de resultado mais incerto ainda (destruir o agronegócio brasileiro) e base moral que vai contra a lógica e o bom-senso, uma vez que legitima, ao menos política e economicamente, a fome de muitos milhões de nossos semelhantes em troca da prosperidade de poucos milhões de privilegiados.
Não estou invalidando a narrativa de “Cortina de Fumaça”. Ela faz um baita sentido e acredito que retrate com perfeição o interesse de certos peixes pequenos desse tanque sórdido. Isto é, claro que há quem queira ver o agronegócio brasileiro afundando e, para isso, é capaz de manter os indígenas em seu estado natural de miséria e de abrir uma ONG ambientalista para receber uma graninha de um padrinho político. Mas a sordidez e mesquinharia de alguns não explicam a motivação de todo o apocalíptico movimento ambientalista.
O que nos traz de volta a Alysson Paulinelli. Que, contrariando o inexplicável instinto malthusiano, aliado ao onipresente desejo marxista de controlar o mundo, e em meio a uma ditadura (Paulinelli foi ministro de Geisel) nada afeita à liberdade, nem pessoal nem econômica, pegou o solo degradado do cerrado e o transformou no que é hoje. Imagine o que seria do mundo sem a revolução agrícola por ele comandada. Imagine o que seria do Brasil, que até a década de 1980, quando os frutos do trabalho de Paulinelli começaram a ser colhidos, precisava importar até feijão.
Vale chamar a atenção ainda para um personagem inusitado do documentário: o ex-ministro Aldo Rebelo. Comunista até a medula, Rebelo aparece no filme por ter sido relator do Código Florestal que, ao menos no papel e a despeito do que digam as ONGs, garante que o Estado brasileiro está, sim, empenhado em proteger o meio-ambiente. Aqui, aproveito para propor ao leitor um desafio: assista a “Cortina de Fumaça” e tente não concordar com Aldo Rebelo. Duvido que você consiga.
O fato é que “Cortina de Fumaça” escancara uma divisão ideológica que cruza as fronteiras da esquerda e da direita. De um lado, estão os ambientalistas, filhos e netos de hippies que acham que é possível alimentar o mundo com frutinha orgânica e que repetem slogans cientificamente imprecisos, como “a Amazônia é o pulmão do mundo” ou ainda “temos que proteger os rios voadores da Amazônia”. Eles são movidos não só pelo sentimentalismo barato e o pessimismo terraplanista de Malthus; eles acreditam que o ser humano é um câncer para o planeta e que cabe a uns poucos escolhidos extirpá-lo.
De outro, estão os que acreditam que a natureza está aí para fazermos o melhor uso dela. Claro que por “melhor uso” não me refiro a derrubar um jequitibá para fazer carvão. Ou sair por aí entupindo os rios de mercúrio para garimpar ouro. Por outra, me refiro a usar o máximo de nossas capacidades, para, por exemplo, dobrar a produção de soja sem precisar plantar na Amazônia ou aumentar a produção de carne sem precisar derrubar a casinha do joão-de-barro.
O primeiro grupo é mais unido e divertido, rende likes e apela para a sensação de uma juventude eterna em comunhão com Gaia – ou qualquer outra fantasia lisérgica do gênero. Não à toa, lá pelos anos 1980 eu mesmo contribuía com o Greenpeace e o meu sonho era me jogar diante de um baleeiro malvadão. Já o segundo grupo, bom, o segundo grupo apela ao trabalho, ao sacrifício e à monotonia do planejamento racional e eficaz. Num tempo em que tudo o que faz sucesso tende a apelar para o discurso infantil e inconsequente, adivinha quem leva vantagem.
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