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Não tenho nada para falar sobre a morte de Maradona a não ser “meus pêsames”. Que é uma expressão, se você pensar bem, usada quase que no automático. Pergunte aí para a pessoa ao lado qual o significado de “pêsames”. Aposto que ela, como eu, correu para o dicionário. Só para descobrir que também é perfeitamente possível oferecer um único pêsame à pessoa enlutada.
Para um cronista, não ter nada para falar é ruim. Mas é bom. Aliás, o que mais falta hoje no jornalismo é a percepção, logo cedinho, assim que as pautas vão surgindo, de que não há nada para ser falado sobre determinado assunto. Quantos conflitos não seriam evitados se o formador de opinião, o influencer ou o tuiteiro distraído simplesmente reconhecessem: não tenho absolutamente nada para falar sobre o assunto?
Mas não. Em maior ou menor grau, é como se estivéssemos o tempo todo numa mesa de bar, todo mundo já meio alegre e falando alto, quase berrando para nos fazer ouvidos em meio à balbúrdia, soltando opiniões sobre absolutamente tudo. Do cocô à bomba atômica, como dizia uma crônica famosa, acho que do Jô Soares. O que não seria de todo ruim, se mantivéssemos o ar botequeiro de descompromisso e desimportância. A coisa começa a complicar quando passamos a dar um peso demasiado às nossas palavras.
Foi o que se viu ontem, logo depois que a notícia da morte de Diego Armando Maradona começou a circular. Todo mundo tinha uma opinião sobre o que o jogador fez dentro e fora do campo. Me pergunta se houve quem politizasse a morte de Dieguito. Claro que sim! De repente Maradona deixou de ser canhoto por acaso e seus lances magistrais (dizem) com a perna esquerda ganharam contornos ideológicos. Ah, que época para se viver!
De minha parte, ao ficar sabendo da morte de Maradona a primeira imagem que me veio à mente foi a de um garçom. Por algum motivo, todos os garçons baixinhos e gordinhos, ou melhor, atarracados que conheci eram chamados de Maradona. No Rio de Janeiro, então, às vezes você chamava “Ô, Maradona, me vê mais uma!” só para ver dez garçons trazendo dez cervejas bem geladas na mesa.
Isso sem contar os muitos amigos de infância, bons de bola ou não, que receberam a alcunha de Maradona menos pelo porte físico e mais pelo comportamento algo estouradinho. Dia desses me bateu um vento de nostalgia e fui lá ao Bairro Alto só para ver os campinhos da minha infância transformados em condomínios de sobradinhos. Pouca coisa restou daquela época. Mas a casa dele, Maradona, estava lá.
Parei o carro e fiquei de tocaia, me lembrando do único gol que marquei na vida, num campinho em desnível que fazia fronteira com um banhadão de água alaranjada. Maradona, ele mesmo, bateu o escanteio pela direita. Ali na primeira trave, subi mais alto do que todo mundo e cabeceei no ângulo. Se meu time ganhou ou perdeu não faço a menor ideia. Passei aquele sábado todo me convencendo de que, apesar de todas as provas em contrário, eu tinha, sim, talento para o futebol.
Perdido em lembranças, não vi quando saiu da casa um homem gordinho e, agora, alto e de barba grisalha. Cigarrão na boca, camiseta velha, bermuda e chinelo. Ficou parado no portão, me olhando todo desconfiado. Pensei em sair do carro e ir lá conversar com ele sobre aquele gol. Acho que o Maradona se chamava Ricardo, mas não tinha certeza. Ficamos ali, nos encarando como dois cachorros de rua.
Até que ele finalmente jogou a bituca de cigarro na rua, deu meia-volta e começou a arrastar seu corpanzil mais do que generoso para dentro da casa. Não resisti e gritei:
— Ô, Maradona!