Semana passada falei do sonho ridículo, patético e humano de um Donald Trump recém-eleito e capaz de usar toda a influência de Homem Mais Poderoso do Mundo para dar uma ajudinha em nossa luta contra o Homem Mais Poderoso do Brasil, Alexandre de Moraes. Assim que publiquei o texto, porém, assisti a um vídeo mostrando a reação da esquerda derrotada. Hoje, pois, vou falar do pesadelo que é esse amor desmedido e pervertido pela política.
Chaves
Tá, entendo que num primeiro momento o vídeo pode ser divertido. Schadenfreude e tal. Você vê os homens e mulheres agindo como crianças, aos berros, o choro se misturando a palavrões incontroláveis, sem falar no olhar apavorado e... Entendo que possa haver alguma graça nisso. Afinal, adultos agindo como crianças são uma forma tradicional de humor. Não por acaso, Chaves faz tanto sucesso.
Bezerros de ouro
Mas há algo de mais profundo nessas cenas de histeria coletiva que, não nos esqueçamos, encontra eco na histeria coletiva que se sucedeu à eleição de Bolsonaro, em 2018, e à eleição de Lula, em 2022. Me refiro ao amor desmedido e pervertido pela política. Pela política transformada em religião, com direito a santos, sacerdotes e, claro, os muitos bezerros de ouro que atendem por nomes como Democracia, Justiça Social, Igualdade e, em alguns casos mais críticos, até... Felicidade.
Etc. & outros clichês
Um amor que, por ser desmedido e pervertido, causa um sofrimento muito real. Até físico. E eu sei que o contra-argumento é muito sedutor. Aquela coisa de “quem não se interessa por política está condenado a ser governado pelos que se interessam”. Etc. & outros clichês. Mas não estou falando, aqui, do interesse saudável por uma atividade humana que, pode até não parecer e não parece mesmo, é bastante nobre quando levada a cabo por homens interessados no bem comum.
Teogonia
Estou falando do interesse desmedido. Pervertido. Da política transformada em tábua de salvação, em meio para se alcançar a felicidade e, principalmente, numa teogonia que tem até objetos sagrados e dogmas – como as urnas e sua inquestionável infalibilidade. Estou falando de devoção e até temor ao deus Estado. E, porque tudo pode ser reduzido ao indivíduo, estou falando também numa forma destilada de orgulho e amor-próprio (que, ao contrário do que nos ensinam, não são virtudes).
“I wanna Kamala!”
Quem se joga no chão desse grande shopping em que se pratica o comércio de ideologias, que nada mais é do que um comércio de sonhos de grandeza e poder, e começa a gritar “I wanna Kamala!” ou “Quero Bolsonaro!” ou “Lula, Lula, Lula!” ou “Alexandre de Moraes está salvando a democracia!” ou “Sem anistia!”, na verdade cultua a si mesmo e venera sua “razão”; seu poder de controlar o mundo, nem que seja simbolicamente; e sua ambição de ser um minideus vociferando verdades irrefutáveis no Twitter.
Insanidade
Se você considera essas cenas todas uma loucura, ótimo. Mas cuidado para não repetir o surto de idolatria daqui a dois anos, caso a realidade insista em contrariar a sua vontade. E não. Isso não é uma profecia, nem prognóstico e muito menos desejo; é apenas um alerta para que não percamos nossa sanidade neste momento em que contemplamos, rimos e refletimos sobre a insanidade alheia.
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