Como epígrafe nas minhas redes sociais e aqui neste espaço, uso um versinho de T.S. Eliot. E não. Não estou querendo bancar o intelectualoide, embora saiba que sempre haverá aqueles que me olharão assim de soslaio, com alguma razão. Simplesmente conheci o verso num livro há algum tempo e ele fez todo o sentido para o que eu vivia na época e, depois de um hiato, voltei a viver com a pandemia do coronavírus.
No original, o verso diz “for us there’s only the trying. The rest is not our business”. É um verso simples e diz basicamente o que os estoicos já diziam: a nós só nos resta tentar. O sucesso ou fracasso de nossas tentativas não são da nossa conta. No poema, T. S. Eliot não desenvolve esse “tentar”. E é aí que está a força do verso. Tentar pode ser desde, sei lá, escrever um texto como este, sem nenhuma garantia de que ele vá ser lido e compreendido, até simplesmente acordar cedo e ir trabalhar na esperança de encontrar a rotina nossa de cada dia.
E pode ser também tentar combater uma pandemia que descambou para uma peste. Mas daí você, leitor esperto, provavelmente já percebeu que a segunda parte do verso não se aplica. Porque, no nosso caso, as consequências importam, sim. E, no momento em que escrevo este texto, as consequências que estão sendo postas na mesa são bastante sombrias: a morte de algumas dezenas ou até centenas de milhares ou a manutenção de uma economia próspera, apesar da mortandade.
A questão aqui, veja bem, não é dar as costas para a consequências. Eliot não está propondo que ajamos como animais que, no meio do caminho entre um lugar e outro, para, faz suas necessidades e simplesmente segue em frente, sem se importar com o que deixou para trás. De jeito nenhum! O que Eliot está propondo é que façamos alguma coisa, qualquer coisa, e lidemos com as consequências depois.
Porque para tudo há consequências. Tudo. A consequência do nascimento é a própria vida. Da morte, o luto, as brigas por herança e até o corpo que começa a se decompor. Um espirro hoje em dia pode ter como consequência desastrosa um linchamento. E uma palavra mal colocada num texto pode ter como consequência o amor passageiro ou o ódio eterno do leitor. E assim por diante.
Mas atenção! A graça do verso de Eliot é o alerta de que não podemos ceder à arrogância de nos acreditarmos capazes de prever todas as consequências a fim de chegarmos à melhor decisão possível. Porque tentar é se jogar num abismo muito, muito escuro. Não temos todos os elementos ou, como preferem os adoradores de modelos matemáticos, dados. Não temos todas as variáveis. Ainda somos, apesar do cérebro avantajado e de toda a tecnologia, divinamente impotentes diante do acaso.
E somos ignorantes. Profundamente ignorantes. Ainda bem. Não temos todas as respostas. Jamais teremos. Isso é algo de que nos esquecemos nos últimos anos. O que é compreensível, dado o nível de conhecimento que alcançamos. Caramba! Encontramos o Bóson de Higgs, que arrogantemente apelidamos de a Partícula de Deus, como se a ciência O tivesse finalmente “desmascarado”. Por que não pensaríamos, então, que somos capazes de conter os males de um vírus, de driblar a morte, não!, a própria extinção da espécie?
Quando, no fundo, não sabemos absolutamente nada, embora tenhamos teorias (e versos) para praticamente tudo. Assim, a pandemia de coronavírus, simbolicamente transformada em peste, vem resgatar a frase célebre de Sócrates, aquela mesma que enfeitava as agendas das meninas da 8ª série e que hoje provavelmente virou verbete de um dicionário de lugares-comuns: “Só sei que nada sei”.
Não sei. Você não sabe. Não sabemos. Mas não podemos ficar paralisados. Temos que tentar. E tentar. E tentar. Ainda que tenham nos dito o contrário nos últimos cinquenta anos ou mais, a vida não é uma ciência exata. E há mais entre o nascimento, infância, juventude, idade adulta, velhice e morte do que crê nossa incrivelmente vã filosofia. Ainda bem.
Tentar, no verso de T. S. Eliot, significa simplesmente “viver”. Hoje escrever um texto. Amanhã desprezar o pânico. Trabalhar. Responder às mensagens dos amigos. Sonhar. Se permitir um pouco de medo – mas só um pouco. Lavar as mãos. Fazer o tal do isolamento social. Ou não fazer, sei lá.
Enfim, ser livre para errar e acertar, tendo plena consciência de sua pequenez e insignificância, sem esquecer de sua, minha, nossa abençoada ignorância.
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