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Houve um tempo em que bobagem era coisa séria. O político ou figura pública soltava alguma tolice de escandalizar o dono da banca de jornal e, no dia seguinte, pedia desculpas, renunciava ao cargo e ia esfriar a cabeça nas Bahamas.
Embora os nomes e os cargos me fujam, tenho certeza de que, até o início do governo de Lula I, o Turvo, vi algumas dezenas de personalidades calçando as sandálias da humildade e “pedindo para sair” sem que precisassem levar um tapão na cara do Capitão Nascimento. Eram desonrados homens de honra que caíram na tentação do vil metal ou se renderam à soberba da própria ideia falsa de grandeza.
Aí a esquerda, na figura de vocês-sabem-quem, chegou ao poder. E tudo mudou. Lula, alçado à condição de infalível, poderia falar o que quisesse sem ser repreendido por isso. Sem ter de reconhecer o erro. Sem pedir desculpas. Sem cogitar uma saída pela direita, feito o Leão da Montanha.
A soberba em pouco tempo contaminou os subordinados. E a bobagem, que antes era coisa séria, coisa de “homem que honra as próprias calças” (mesmo que ele seja mulher ou, sei lá, homem que usa saia), virou a norma. Nos anos seguintes, coisas muito piores do que o “cachorro também é gente” do ex-ministro do Trabalho Rogério Magri ou o “não tenho escrúpulos” do ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero viraram piada de salão.
Percebendo que palavras tinham perdido as consequências, a esquerda, devidamente sentada no trono de sinecuras sem fim, fez de seus adversários gato e sapato. O deboche virou regra para desqualificar o oponente, assim como a despersonalização, quando não a ofensa pura e simples. E a bobagem, antes motivo de uma vergonha que acompanhava a família por gerações e gerações, foi alçada à condição de arma retórica.
Aí, depois de vários tropeços na própria soberba, estupidez e ambição, eis que a esquerda foi apeada do poder. Eu estava lá e me juntei ao grupo de tolos que acreditava que a queda do PT & Cia significava uma restauração da moralidade. Que acreditava que as palavras voltariam a ter consequências e que valores abstratos como “honra” voltariam a ser exaltados pelos indivíduos.
Não rolou.
Professorinha
E essa é a parte do texto em que, meio sem querer, encarno uma professorinha severa, daquelas muito magras, que usavam óculos de aro fino e um batonzinho bem discreto, e moravam com três gatos. Daquelas que realmente nos ensinavam coisas como análise sintática ou a fórmula de Bhaskara. Daquelas que odiávamos.
Porque o que aconteceu em seguida foi na contramão da minha esperança. Em vez de restaurar a moralidade, de exaltar valores nobres, de pairar acima do culto à bobagem, ao insulto, à tolice, à ambição e à soberba do adversário, o que vi foi o triunfo de um discurso mequetrefe segundo o qual “precisamos lutar com as mesmas armas sujas do inimigo”.
Sério mesmo?! E, no entanto, não é preciso ser nenhum físico nuclear com um improvável PhD em história para saber que ninguém jamais aprovaria que, sei lá, os Aliados criassem campos de extermínio para os alemães na Segunda Guerra Mundial. Armas sujas são coisa de gente suja. E isso se aplica tanto ao napalm quanto às palavras que dirigimos àqueles que pensam diferente de nós.
Talvez esteja na hora, diz a professorinha chata para a classe entediada, de traçarmos um limite moral nessa contenda. Não vale golpe abaixo da linha da cintura. Nem dedo no olho, puxão de cabelo, mordida na orelha ou cuspe na cara. Simplesmente não vale. É desclassificação sumária ou, no mínimo, cinco minutos olhando para a parede e refletindo sobre seu comportamento, mocinho.
“Ah, mas foi ele quem começou, tia”, argumenta alguém. Não importa. Até porque não faz sentido lutar contra o adversário/inimigo se você comunga dos mesmos valores sórdidos dele.