E todos viveram felizes para sempre. Sobretudo o dono de uma pequena mercearia amapaense que, para importar 147,3 mil toneladas de arroz, receberia inacreditáveis R$ 736,3 milhões do governo Lula. O leilão, como se sabe, foi anulado. Mas esta é a crônica de uma mutreta anunciada - e não por acaso. É que uma pessoa precisa ser muito ingênua para achar que petista é capaz de desistir de uma ideia ruim só porque está todo mundo falando.
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Para entender como chegamos a este ponto, contudo, temos que voltar um tantinho no tempo. Chove no Rio Grande do Sul. O caos se instala no estado que é o maior produtor de arroz do Brasil. A enchente não afetou a safra do cereal nem nada. Afinal, a maior parte da produção já estava colhida e devidamente armazenada. Mas afetou momentaneamente o transporte e na televisão já tem gente dizendo que vai faltar arroz ou que o arroz vai custar R$50.
O governo nega e, num primeiro impulso, convoca a imprensa para dizer que tudo é fake News. Até que, diante da possibilidade imaginária de desabastecimento do melhor amigo do feijão, e principalmente da oportunidade de fazer proselitismo político do pior tipo possível, o governo Lula acha por bem comprar 263,3 mil toneladas de arroz, ao custo de R$ 1,3 bilhão. Dizem que o arroz importado é cheio de agrotóxico proibido no Brasil e, pior!, não é o arroz orgânico do MST. Mas o governo não está nem aí para as críticas.
O Partido Novo, na figura admiravelmente atuante do deputado Marcel van Hattem (que também é meu colega aqui na Gazeta do Povo), entra na justiça contra o leilão. E chega até a conseguir uma liminar que, no entanto, logo é derrubada. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) não deixa por menos e aciona o Supremo Tribunal Federal (STF), mas. Ora, direis, acionar o STF!... Estou para ver raiar o dia em que esse STF que está aí tomará uma decisão contrária aos interesses petistas.
Vitória do povo?
O fato é que o leilão foi realizado e a principal ganhadora foi uma mercearia chamada Queijo Minas. Aliás, já disse que o dono da empresa, Wisley A. de Souza, foi citado numa investigação de crimes licitatórios? Não quero insinuar nada, e talvez seja apenas uma infeliz coincidência ou mal-entendido, mas digamos que o PT não pode se dar ao luxo de querer que acreditemos em coincidências e mal-entendidos. Gato escaldado, etc.
O resultado é que, sob ameaça de instalação de uma CPI, e percebendo a oportunidade de bancar o honesto, o governo Lula cancelou o leilão. Deu certo. Imediatamente. Agora mesmo fui dar uma voltinha pelas redes sociais e vi um monte de opositor celebrando o cancelamento do leilão. “Vitória do povo!”, dizem e eu queria muito acreditar, juro que queria, mas não acredito.
Não acredito porque, uma vez cancelado o leilão, é bem possível que amanhã estejamos entretidos com outra notícia, outro escândalo, outra crise – na verdade factoides criados com esmero pelo gabinete do ódio petista a fim de confundir e irritar. A fim de nos jogar no lamaçal niilista da impotência e da desesperança que desaguam no cinismo destes últimos parágrafos. Desculpe.
Daqui para frente, não vou me espantar se o dono da queijaria pedir ao STF para anular a anulação do leilão? (“Anular a anulação” foi de propósito). Tampouco me surpreenderei se Toffoli, Zanin, Dino ou o próprio André Mendonça, na calada da noite, quando todo mundo estiver distraído, der uma liminar que favoreça as empresas vencedoras. E não, não perguntarei aos pombos “quem diria, hein?” se a mutreta do Arrozbras continuar em seu curso natural, irrigando pelo caminho o bolso de muita gente, sempre à custa do nosso dinheiro e, neste caso, do sofrimento dos produtores gaúchos.
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