A plateia ansiosa por encontrar reproduzida aqui a violência do debate público e de suas notícias sempre escandalosas vai se decepcionar com este texto.| Foto: Pixabay
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Flávio Dino falou umas bobagens sobre Roger Waters, dando início a mais uma rodada da interminável querela entre comunismo e nazismo. Mas cuidado! Se você disser que o comunismo foi pior, será xingado de nazista – e vice-versa. Na festa do orgulho, sobrou safadeza e outras coisas que não posso falar sem antes submeter este texto ao departamento jurídico. Então não falo. Morreu oo fanfarrão Silvio Berlusconi. Djokovic ganhou seu 23º título de Grand Sland.

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Tudo bem. Mas o que aconteceu? Isto é, de tudo isso que contei no primeiro parágrafo, o que ficará para a história? O que levará o brilho aos olhos de um arqueólogo do futuro? Qual dentre esses fatos será evocado daqui a alguns meses, numa mesa de bar qualquer, como prova incontestável de um argumento irrefutável? E, afinal, dentre todas essas notícias, qual importa realmente para aquele que, já escrevi, é o personagem mais importante da crônica, desta e de qualquer outra: você?

Enquanto eu fazia essas perguntas, novas notícias me chegaram. De maior e menor monta. A Anvisa agora está dizendo que a vacina contra a Covid-19 pode causar problemas de saúde? Que coisa! Lula mencionou um tal de Ministério do Namoro. A esquerda faz silêncio diante da morte de 122 índios yanomami. E está rolando uma revolta por parte daqueles que ficaram sem ingresso para o show de  uma tal de Taylor Swift no Brasil.

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Refaço as mesmas perguntas e como resposta ouço o mesmo ecoar do meu silêncio. Será que virei um cínico desses bem blasés? Não. A verdade é que as notícias que me chegam parecem pequenas demais perto de tudo aquilo que é incomunicável a uma plateia ansiosa por encontrar aqui, reproduzida e depurada, a violência do debate público. Hoje, por exemplo, é o aniversário do amigo morto. Que saudade! Outra coisa: no domingo tentei subir uma montanha (na verdade um morro), mas não consegui. Quem se importa?! E aqui o achado mais relevante desses últimos dias: encontrei no fundo de uma gaveta um poema curiosamente intitulado “O Arroz”.

O arroz

Leio o pedaço de papel e rio dos primeiros versos autodepreciativos, que falam de um tempo em que desejar morrer jovem e infeliz era um sonho de românticos sem tuberculose. “Era para eu ter morrido/ Ainda aos dezessete anos/ De coração partido/ Atropelado por um Ligeirinho”, escreveu o autor. Para logo em seguida concluir essa saudade da tragédia de que fui poupado resumindo assim o ridículo de todo aquele drama: “Um cadáver com enormes orelhas de abano”.

Depois vinha um momento realmente triste, de uma tristeza que não reconheço hoje em dia e que, por isso (e também para poupar o editor do constrangimento), não vou reproduzir aqui. Mas é um momento triste e que ainda dói, e que culmina com a eterna carência de fraternidade e riso: “Para meus amigos uma risada que não lembram”.

Então o autor, traduzindo desajeitadamente o milagre da vida real, de uma hora para a outra joga o sofrimento na privada, puxa a descarga e começa a celebrar a grandeza dos gestos simples, aqueles que dedicamos não à autocongratulação, e sim a Deus. “Era para eu ter morrido/ E não estar aqui fazendo arroz”, leio. E entendo o título pândego.

Tudo para encontrar nos últimos versos constatações às mancheias. Como, por exemplo, a de que a história não está nem aí para o cotidiano. Prova disso é que “o arroz está pronto e a vida é boa”. O final é algo que me emociona como se tivesse sido escrito por outra pessoa. Talvez por alguém que também tivesse, depois de muito sofrimento, encontrado sentido:

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Amanhã depois e depois vou acordar
E encontrar no espelho um gordo
De olhos pequenos e passado inchado
(...)
Arrependido dos erros que sabe
Tímido dos acertos que não enxerga
Porque seus olhos deslumbrados
Se perderam na chuva da juventude quando
Distraído e um tanto quanto embriagado
Atravessei correndo uma avenida de décadas
E virei homem.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]