E o Oscar vai para... “An Airport for Disgusting Flies”, de Karlos Amarhal.
Foi a primeira vez que o Brasil ganhou o Oscar. O experiente diretor, produtor, roteirista, ator, cantor, figurinista e cabeleireiro Karlos Amarhal tinha chegado perto com “Big Ears to Kindle Fire”, a pungente e ao mesmo tempo revoltante história de Thyago, um menino com orelhas-de-abano que enriquece depois de processar os coleguinhas de pré-escola que tiravam sarro de suas abas – e que abas! Na época, o filme foi indicado a 34 estatuetas, mas não levou nenhuma, o que gerou acusações de brasilofobia. A produção premiada daquela noite foi o duro, amargo e perturbador “Was Rin-tin-tin the Racist Dog Ever?”, sobre o célebre cão dobermannófobo.
E pensar que este caminho para a consagração do audiovisual do meu Brasil varonil começou a ser pavimentado há muitos anos pela atriz Flaviana Karma. Que, até ser cancelada pela turba ensandecida (mais detalhes abaixo), entrou para a história como a autora das imortais palavras “Criminalizem a gordofobia!”. Na época ninguém deu muita bola e houve quem até risse da causa da atriz. Mas pouco depois x ministrx do Legisciário (ou Judilativo) entendeu o tamanho do problema (sem trocadilho) e determinou que discriminar uma pessoa com IMC superior a 25 era um crime análogo ao racismo, mas muito diferente, porque tinha mais peso (com trocadilho) na Escala Manu de Quepeninha.
O mundo inteiro parou para ver quando Gumercindo Farias, o primeiro acusado de gordofobia, foi julgado e condenado à morte ao ser flagrado na calçada assoviando a melodia de “Gordo Baleia, Saco de Areia”, funk para sempre marcado na memória coletiva na voz de Caê III, o Detãrd. Mais tarde a pena foi reduzida para prisão perpétua, depois trinta anos em regime fechado, depois semiaberto, depois tornozeleira eletrônica, depois vem cá, esquece isso, me dá um abraço e vamos fundar uma ONG.
De lá para cá, muita coisa mudou. A própria Flaviana Karma teve sua estátua derrubada quando descobriram que ela tinha interpretado voluntariamente papéis como a “obesinha engraçadinha” em alguns programas de televisão. Mesmo destino teve a estátua de Jô Soares. Houve alguma conversa de extremistas de ultradireita sobre devolver o Cristo Redentor ao local, mas tudo não passou de um delírio fascista.
Amarhal, que era uma criança quando tudo isso aconteceu, inspirou-se na luta que observava no próprio lar para produzir seus primeiros filmes, entre eles a trilogia formada pelo musical “Sua Napa Não Me Protege da Chuva”, o romântico, mas não sexista “Nosso Amor é Maior que o Estrabismo” e o drama histórico “De-de-demoro Pra Di-dizer que Te-te-te-te Amo”. Todos sabiam que um dia Amarhal ganharia um Oscar, só não quando, embora uma senhora da etnia romani tivesse lhe dito que seria num dia 15 de agosto.
“An Airport for Disgusting Flies” surge no momento certo. Ano passado, o mundo foi tomado por manifestantes pedindo o fim da calviciefobia, popularmente conhecida como carecofobia. Centenas de milhares de homens e mulheres quebraram os centros históricos das maiores cidades do mundo para fazer pressão pelo fim dessa que é considerada por muitos historiadores A Última Injustiça do Mundo.
O filme conta a história de Saulo, um homem calvo que está andando tranquilamente pela rua quando vê uma senhora e um senhor conversando na esquina e apontando em sua direção. Apavorado e com a psique já em frangalhos, ele espreme os olhinhos para, com muito esforço, ler os lábios da mulher. Ela diz “Ali, perto daquele careca”. E a partir daí o filme deixa de lado o drama individual de Saulo para falar do drama de todas as pessoas portadoras de deficiência capilar.
Até o final, do qual não posso deixar de falar. A cena em que Saulo, diante do espelho, se despede do último fio de cabelo em sua cabeça lustrosa é, nas palavras do crítico Phu Takeuspa, uma “obra-prima comparável à Estátua de Davi II, que substituiu a representação heteronormativacisbranca do racista Michelangelo”.
“An Airport for Disgusting Flies” arrecadou inacreditáveis 6 mil cestas-básicas em todo o mundo. Mas o sucesso comercial do filme não intimida Karlo Amarhal, que diz que estuda uma continuação ainda mais surpreendente. “Algo me diz que sobrou um cabelinho na nuca”, sugeriu ele em entrevista recente. Será que estamos diante do surgimento de uma franquia de sucesso que quebrará o recorde mundial do drama histórico “Todxs”, com a 64ª continuação prevista para estrear mês que vem?
Enquanto o roteiro de “An Airport for Disgusting Flies 2” não fica pronto, Karlo Amarhal trabalha na cinebiografia de sua maior (!) musa inspiradora, Flaviana Karma. Intitulada “If Only I Could Close my Mouth Shut”, a produção terá no papel principal a jovem atriz Enza di Enza, que desde que nasceu vem se preparando para o papel comendo cinco Big Macs por dia.
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