Minha amiga Bruna Frascolla não quer escrever sobre o Big Brother Brasil. Não adianta insistir. Desde que o programa estreou sua 21ª temporada , envio mensagens para ela às seis da manhã, com um resumo do que aconteceu na noite anterior. E sugerindo, com todo o cuidado do mundo, que ela escreva sobre a controvérsia da vez. Karol Conká fez isso. Fiuk fez aquilo. Quem é Projota? Ah, ele fez aqueloutro. E por aí vai.
Mas Bruna Frascollla sabiamente prefere escrever sobre o curioso Abdias do Nascimento. Só porque quero muito, muito mesmo, saber a opinião dela sobre Nego Di e Arcrediano (uma pessoa com esse nome merece uma crônica só para ela), fui obrigado a apelar para a ameaça. Se você não escrever sobre o Big Brother Brasil, vou dar uma de Nelson Rodrigues (quanta pretensão!) e botar seu nome no título de um texto sobre o preconceito dos intelectuais.
Eis-me aqui provando que não era blefe.
Matéria-prima de pensamento
Você já parou para pensar que convivemos com Big Brother há inacreditáveis vinte anos? São duas décadas e centenas de pessoas com um único objetivo na vida: ficar famoso. E ficar famoso como? Exibindo sua intimidade mais reservada, aquela coisa do “quem é você quando ninguém está olhando?” para milhões de outras pessoas que buscam no comportamento alheio validação ou não para suas escolhas.
Não sei você, mas isso me cheira a matéria-prima de pensamento. O que, por dedução elementar, deveria despertar o interesse dos intelectuais. Mas há 20 anos é a mesma coisa: o Big Brother Brasil estreia, levanta alguma questão polêmica (talvez a palavra mais repugnante do nosso tempo), a população fica com a boca seca de tanto falar e com bolhas no dedo de tanto votar. E os intelectuais, do alto da torre de marfim, bocejam ou dizem "ah, prefiro ler um aqui um livrinho".
Tive uma discussão sobre isso, há algum tempo, com o grande poeta Nelson Ascher. Discussão no bom sentido, isto é, um bate-papo de duas ou três réplicas no Facebook. Tentei dizer a Ascher que o Big Brother Brasil era interessantíssimo porque dava aos intelectuais (colocar ou não aspas, eis a questão) a oportunidade de entrar em contato com uma realidade muito diferente da deles.
Me referia à realidade das pessoas que só ouvem funk ou sertanejo universitário. A realidade das pessoas que não têm vergonha de dizer “pra mim fazê” em rede nacional. A realidade das pessoas que nunca leram um livro na vida – e estão deboas com isso. A realidade de pessoas para as quais não há nada de pornográfico em fazer sexo mal-escondido sob um edredom. A realidade de pessoas que não conseguem conceber um Universo indiferente a seus caprichos. Uau.
Não fui capaz de convencer Ascher, assim como não consegui convencer a Bruna Frascolla. Se bem que eu não queria convencer ninguém mesmo [dá de ombros e faz biquinho igual criancinha mimada].
A utopia progressista é um pesadelo
Nesta edição do BBB, a que não estou assistindo porque durmo muito cedo, a "realidade controlada" deveria ser ainda mais interessante para os intelectuais. Afinal, todas aquelas teses e debates sobre igualdade, sobre identidade, sobre negritude e branquitude, sobre sexualidade, e todos aqueles neologismos e marxismos e foucaultismos e marcusesismos dos textos acadêmicos estão sendo postos em prática na “casa mais vigiada do Brasil”.
É como se o cenário do BBB fosse um micropaís habitado por cidadãos ultrapolitizados que dão forma a todo o discurso progressista mais radical. Como é possível não se interessar por isso? É puro conflito – não mais de ideias abstratas pairando na sala de aula. É conflito no mundo real mesmo (tão real quanto é possível para um reality show). Um conflito que não descamba para a violência física só porque as regras do programa não permitem. Ou será que o interesse no prêmio milionário prova que as convicções políticas das pessoas estão condicionadas à realização de seus desejos mais egoístas?
Vale notar ainda a reação que a plateia está tendo diante desse espetáculo progressista. Gente que até ontem papagaiava as ideias de Abdias do Nascimento (“miscigenação é genocídio) ou de Djamila Ribeiro, tão bem analisadas por Bruna Frascolla nesta Gazeta do Povo, agora começam a se perguntar se não foram longe demais. Eles começam a desconfiar que uma sociedade cujas relações se baseiam no ressentimento identitário talvez não seja viável. “A cultura do cancelamento é coisa de fascista”, tuitou Preta Ferreira, cantora, compositora, atriz, produtora, ativista e, sinceramente, nobre desconhecida para mim.
Viu só? Me distraí um pouquinho e já comecei a teorizar. E isso porque não tenho nenhuma vocação acadêmica. Ainda bem. Se tivesse, acho que me tornaria o maior e mais chato especialista em antropologia bigbrotheriana do Brasil, quiçá do mundo. Não me parece um destino desejável.
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