Foi com algum espanto que, na noite de segunda (12), assisti ao vídeo do ex-presidente Jair Bolsonaro convocando apoiadores para o que se quer que seja um megaevento pró-democracia na avenida Paulista, no próximo dia 25 de fevereiro. Bolsonaro, você sabe, está sendo previamente condenado pelo que se convencionou chamar de espírito golpista ou antidemocrático. E a pena por este crimideia será aquilo que Alexandre de Moraes quiser.
Para os mais velhos, o episódio tem cheiro de “não me deixem só!” – pedido feito pelo ex-presidente Fernando Collor às vésperas do impeachment, e solenemente ignorado pelo povo. Não quero com isso dizer que Bolsonaro seja igual a Collor. Nem que as circunstâncias sejam as mesmas. Nada disso. Ao contrário de Bolsonaro, Collor era impopular e estava envolvido num escândalo de corrupção que tinha como delator seu próprio irmão, Pedro.
O que o “não me deixem só!” de Collor tem de semelhante com a convocação de Bolsonaro (que faz questão de enfatizar que o ato é pacífico, pedindo ainda que não se levem empunhados faixas e cartazes contra quem quer que seja) é o ar de desespero. De cartada final. De goleiro na área adversária, no último lance do jogo, para ver se o time consegue um improvável gol de empate. Só que, neste caso, o que está em jogo é a liberdade ou a prisão de Bolsonaro. Não só! Há quem diga que é a sobrevivência ou o extermínio de qualquer noção de “direita”.
Com a manifestação de 25/2, o ex-presidente quer mostrar que tem o povo ao seu lado. Ao contrário do que se observa quando certos presidentes tentam reunir uma multidãozinha. Em outras palavras, Bolsonaro quer mostrar a Alexandre de Moraes & amigos que a população não está indiferente às perseguições políticas perpetradas pelo STF. Mais do que isso, ele quer alertar os ministros de que uma medida mais drástica, como sua iminente prisão, provocaria o caos no Brasil. Será? Pelo tom de voz de Bolsonaro, nem ele parece acreditar muito nessa hipótese.
Bolsonaro quer mostrar a Alexandre de Moraes & amigos que a população não está indiferente às perseguições políticas perpetradas pelo STF. Será?
Aliás, o histórico discurso do “não me deixem só”, proferido por Collor em 21 de junho de 1992 (alguns aqui nem eram nascidos ainda!), tinha um complemento pouco mencionado: “Eu preciso de vocês”. Collor apelava para a solidariedade daqueles que, em 1989, haviam votado nele para derrotar um Lula jovem, inexperiente, fragilizado pela queda do Muro de Berlim, e sem o ressentimento e o desejo de vingança do Lula atual. Bolsonaro faz a mesma coisa, em circunstâncias muito mais adversas. Será que desta vez bolsonaristas, antipetistas, lavajatistas, liberais e conservadores voltarão a se dar as mãos, nem que seja num sinal de união contra um mal maior?
Improvável. E, a julgar pelas reações que vi entre a confusa e cada vez mais beligerante direita, impossível. Nas redes sociais, reduto onde Bolsonaro recebe o apoio mais entusiasmado, tanto por conta do conforto do sofá quanto do algoritmo, o que me chegou foi uma mistura de cinismo e medo. O primeiro motivado pela malfadada Declaração à Nação, aquela cartinha que Bolsonaro, instigado por Temer, divulgou em 2021, depois de chamar Alexandre de Moraes de canalha para uma avenida Paulista lotada de apoiadores. Parece que, naquele momento, muita gente desistiu de acreditar em Bolsonaro como um líder capaz de lutar contra o tal do Sistema.
Já o medo é o de que a manifestação sirva como uma arapuca para prender opositores do regime. Um medo para lá de justificável, portanto, uma vez que o Estado Democrático de Direito foi abolido no país e a liberdade de expressão já está em estágio avançado de putrefação. Muito embora, confesso, me custe entender como é possível que uma pessoa cobre coragem de Bolsonaro num minuto para, no outro, expor seu medo de enfrentar Alexandre de Moraes fazendo número numa manifestação. Mas tudo bem.
Enquanto isso, nas mesas de bar, elevadores e salas de espera do país, prevalece a teoria de que a prisão de Bolsonaro (de preferência antes do dia 25) será o erro fatal do STF. De que esse momento marcará o início da queda do jurisditador Alexandre de Moraes. Teoria na qual não acredito. Simplesmente porque está cada vez mais difícil encontrar, sobretudo entre os poderosos e influentes, gente indignada o bastante com uma injustiça que não lhe diz respeito pessoalmente. Tanto pior se o alvo dessa injustiça for alguém que não se encaixa tão fácil nem no papel de herói nem no de vilão.
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