Se engavetado para futuras chantagens legislativas, este pedido de impeachment corre o risco de endossar um dos maiores ataques à Língua Portuguesa.| Foto: Guilherme Gandolfi/ Fotos Públicas
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, DEPUTADO FEDERAL RODRIGO MAIA.

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Eu, Paulo Polzonoff Jr, colunista da Gazeta do Povo e representando o Movimento Popular pela Volta do Acento Diferencial e Outras Causas Lítero-gramaticais (MPVADOCL), venho respeitosamente, devagarzinho mesmo e fazendo mesuras, perante a Câmara dos Deputados e invoco, primeiro o disposto no art. 14 da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950 e depois o art. 218, caput, do Regimento Interno da Casa (RICD), para apresentar DENÚNCIA contra o Presidente da República Jair Messias Bolsonaro pela prática de crimes de responsabilidade, com fundamento naquele trecho que fala sobre proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo, sabe? Sim, esse mesmo. Mas se não couber eu procuro outro.

Aproveitando, e sem querer incomodar Vossa Excelência, peço que seja instaurado um processo longo, demorado e custoso, mas inegavelmente divertido, a fim de que o atual presidente acabe afastado de suas funções, impichado (com o perdão pelo anglicismo), humilhado e condenado às galés.

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E para que o cargo, uma vez vago, venha ser ocupado pelo General Mourão – mas só até a gente encontrar um motivo para tirá-lo de lá também.

I FUNDAMENTOS DA DENÚNCIA

A denúncia, cujo autor representa todos aqueles que não suportam mais ser insultados pela oratória positivomilitarista do presidente, ou seja, cinco ou seis gatos pingados que se consideram muito importantes na sociedade, demonstrará que o uso excessivo da locução prepositiva “no tocante” pelo chefe do Poder Executivo impõe ao povo brasileiro (com muito orgulho, com muito amor) um pernicioso processo de esvaziamento do idioma pátrio. Adicione-se a isso o uso, igualmente exagerado, da contração indagativa bilíngue “talquei”, inserida no léxico pátrio sem autorização da Anvisa, e temos um cenário de esgarçamento das relações intertextuais com graves consequências para mim. Digo, para nós da MPVADOCL.

Outro elemento que deveria constar desta denúncia, mas que ficou preso no centro de triagem de Curitiba e não chegou a tempo, é a pronúncia tremificada (ou seria tremilizada) da palavra “questão”, que na boca do presidente soa como “cuestão”, dando origem a toda uma gama de piadinhas de cunho ofensivo que sem dúvida nenhuma configuram discurso de ódio, ainda que não se saiba ódio de quê. Ao longo do processo, que estou confiante de que será aberto, por favor, Rodrigo Maia, nunca te pedi nada, essa cuestão, digo, questão deve ser anexada aos autos.

No tocante ao uso de “no tocante”, vale ressaltar que a locução prepositiva tem vários sinônimos muito mais simples que, desprivilegiados pelo léxico presidencial, se tornaram párias e motivo de riso e zombaria por seus amiguinhos (olha o discurso de ódio aí, gente! Chora cavaco!). Falo especificamente da locução “no que se refere”, que na boca da presidenta Dilma Rousseff soava como a mais bela aliteração de Cruz e Souza. Hoje em dia, “no que se refere a” passa o dia na Cracolândia vendendo miçanga.

A questão do “talquei” é ainda mais complexa e enseja uma ação imediata do nobilíssimo Congresso Nacional. Para começo de conversa, a grafia, derivada da pronúncia sui generis do presidente, está errada. “Está o.k.” seria o correto. Círculos mais progressistas aceitam ainda a forma “ ‘tá o.k.?” – mas desde que o apóstrofo seja empregado celetista e devidamente sindicalizado. Sem falar na origem inequivocadamente racista e belicista do “ok” que, segundo um tuiteiro amigo meu que é dado a ler livros, foi criada na Guerra da Secessão e significa “0 killed”, isto é, nenhuma pessoa morta naquele dia de combate da guerra civil estadunidense.

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II EXPOSIÇÃO DOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE PRATICADOS PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA NO TOCANTE AO USO DE “NO TOCANTE”

É certo que o presidente Jair Bolsonaro já cometeu vários crimes de responsabilidade, que foram narrados em mais de 50 pedidos endereçados a essa Casa Legislativa. A mim, aqui, importa tratar principalmente daqueles que se relacionam às expressões estéticas repugnantes e criminosas de Jair Bolsonaro. E nem vou mencionar neste espaço circunspecto o genocídio dos plural, crime igualmente perpetrado pelos ex-presidentes Lula e Dilma, mas que neles tinha certo charme, como sói a qualquer coisa vinda das camadas menos favorecidas da população.

Desde que chegou ao poder, o presidente Jair Bolsonaro usou “no tocante” em 23.714 ocasiões, uma média de duas vezes por hora (de acordo com minha calculadora Tabajara). Até dormindo o presidente fala “no tocante”. Já em relação ao “talquei”, contabilizei, num dia em que estava à toa, inacreditáveis 17 mil utilizações do neologismo, até que bateu um soninho e desisti de continuar contando.

Em decorrência dessas práticas inaceitáveis por parte de um Presidente com pê maiúsculo e todo trabalhado no gótico, o decoro, coitado, está ferido, largado ali no chão feito um saco de batatas, esvaindo-se em cegallas e brecharas. Só não vê quem não quer. Se engavetado para futuras chantagens legislativas, como os demais, este pedido de impeachment corre o risco de endossar um dos maiores ataques à Língua Portuguesa desde que “ludopédio” virou “futebol”.

O parlamento não pode mais se omitir diante de tantos crimes de responsabilidade. É hora de dizer CHEGA!!! E de investir todos os pontos-de-exclamação disponíveis no Universo para nos livrarmos nesse problema de suma importância para a sobrevida da nossa carcomida democracia.

III DOS PEDIDOS

Por todo o exposto, apresenta o denunciante louco e solitário os seguintes requerimentos:

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a) Que seja recebida, lavada, descascada, processada, cozida e refogada a denúncia contra o Presidente da República por crime de responsabilidade, com fundamento no art. 85, caput e inciso V da Constituição da República. E em quaisquer outros códices que alguém porventura achar pertinente.

b) Que sejam produzidas provas testemunhais por meio da oitiva das pessoas indicadas a seguir, que deverão ser intimadas, transportadas até Brasília na primeira classe, acomodadas em hotéis 5 estrelas e mimadas à base de champanhe e caviar oriundos do STF, de acordo com o artigo 99 da Lei 9.999/99.

ROL DE TESTEMUNHAS:

1. Luciano Huck – apresentador e futuro presidente do Brasil (dizem)

2. Marcola – empresário do ramo farmacêutico alternativo

3. Atila Iamarindo – campeão de River Raid no Atari

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4. Felipe Neto – professor de literatura

5. @KoronaKiller2384922 – tuiteiro.

Nesses termos, peço e espero sentado, comendo uma pipoquinha e bebendo uma coca bem gelada, deferimento.

Curitiba, 27 de janeiro de 2021.

(Texto levemente inspirado neste pedido de impeachment real e não menos absurdo).

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