Bolsonaro: um líder que se recusa a liderar.| Foto: EFE/EPA/CRISTOBAL HERRERA-ULASHKEVICH
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Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

- Geraldo Vandré*

Para a surpresa de muitos que relutamos em encarar a realidade, o ex-presidente Jair Bolsonaro, em entrevista à Rádio Auriverde, jogou um balde, um tonel, uma caixa d´água, um caminhão-pipa, uma, dez, mil piscinas olímpicas de água fria em quem pretendia, no próximo dia 7 de setembro, vestir verde e amarelo e lotar a Avenida Paulista para pedir o impeachment de Alexandre de Moraes.

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Além de pedir aos manifestantes que não levem cartazes contra o ministro e o STF, Bolsonaro já até comunicou à corte suprema que, no tocante ao impeachment, não falará sobre isso aí, talquei? E mais: que impeachment não resolve nada, que quem pede impeachment tem “outros interesses”, que os demais ministros têm que se sensibilizar, etecétera e tal.

Depois, consta que pôs o rabo entre as pernas e foi pedir o carinho do povo em alguma carreata.

Líder

Mas a manifestação do dia 7 de setembro não é pelo impeachment do Alexandre de Moraes? É. Por isso mesmo é que a postura de Bolsonaro é, num primeiro momento, revoltante. Para logo em seguida se transformar em assustadora e deprimente. Afinal, trata-se de “o grande líder da direita” simplesmente se recusando a lutar ao lado de um povo que anseia por um líder. Um líder de verdade.

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Você consegue imaginar Václav Havel fazendo isso? Consegue imaginar Lech Walesa? E que tal algo mais próximo e contemporâneo, como a venezuelana Maria Corina Machado? Você consegue imaginar um líder da resistência da Alemanha Oriental pedindo para os manifestantes não derrubarem o Muro de Berlim? Não, né? Nem eu nem ninguém conseguimos, porque atitudes covardes assim são impensáveis num líder digno do nome.

Imbrochável

“Ah, Paulo, mas Bolsonaro já levou uma facada”. Ok. “Ah, Paulo, se o Bolsonaro abrir a boca, vai preso”. Ok. São argumentos válidos. Mas só para alguém que, depois de tantos e inegáveis contratempos, já tenha se afastado da vida política. Não para alguém que até outro dia estava por aí distribuindo a desejada medalha de “imorrível, imbrochável e incomível”.

Toda atividade política implica riscos. Ainda mais num regime de exceção como o que vivemos. O que não dá é para receber afagos e carinhos e gritos de “mito! mito! mito!” e, na hora h, do vamovê e do pegapacapá, o ex-presidente agir como se o obrigássemos a continuar na política. Ora, se quer segurança e tranquilidade, que Bolsonaro vá aproveitar a aposentadoria para pescar ou jogar bocha. Ou então passe o bastão para alguém com sangue nos olhos (no bom sentido, é claro).

Alguém realmente imbrochável.

Monopólio

Ou será que Bolsonaro quer ter o monopólio da indignação popular? Essa possibilidade me ocorreu depois que o fenômeno Pablo Marçal foi censurado e os bolsonaristas mais aguerridos saíram por aí dizendo que não, Marçal não estava sendo perseguido; que o único e maior perseguido do Brasil é Jair Bolsonaro. Na época, chamei isso de “monopólio da perseguição”, mas um amigo me veio com um termo melhor: “monopólio do vitimismo de direita”.

Sim, porque tem muita gente que usa a inegável perseguição de Alexandre de Moraes como um troféu. Da mesmíssima forma que um militante identitário usa sua, como direi?, condição como prova de uma coragem inata, gravada na pele. Ou por outra: como um salvo-conduto que dará ao portador o privilégio de entrar para a história do lado certo – e o suposto lado certo seria sempre ao lado de Bolsonaro. Faça-me o favor, né?

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Interesses escusos

Aliás, Bolsonaro não apenas disse que a manifestação não seria para pedir o impeachment de Moraes como também pôs em dúvida a legitimidade desse clamor popular. Como se os supostos interesses escusos, os interesses eleitorais de um ou outro sem-noção que subirá no palco para gritar “Fora, Xandão!”, fossem mais danosos à democracia do que a atuação de Alexandre de Moraes, que na época do “seu canalha!” e da cartinha intermediada por Temer era um aprendiz de autocrata e hoje... é mestre.

Não satisfeito em duvidar das intenções dos manifestantes e organizadores, Bolsonaro disse esperar que os demais ministros do STF “se sensibilizem” com a situação. Que espera que Deus toque o coração dos outros ministros. E, tudo bem, eu também espero. Mais do que isso, rezo todos os dias para que ao menos o “terrivelmente evangélico” entre os 11 aja de acordo com as virtudes cristãs (inclusive a coragem), e não de acordo com o que lhe é conveniente e fácil.

André Mendonça e o outro lá

Por falar nisso, todo mundo concorda que, na hora de indicar os dois ministros do Supremo Tribunal Federal que lhe cabiam, Bolsonaro foi no mínimo pouco inteligente? Ora, bastava olhar na cara burocrática de André Mendonça para saber que ele jamais, em hipótese alguma, seria capaz de usar qualquer dosagem da “agressividade santa” (estou pensando em João 2: 13-25, Denise!) para enfrentar a agressividade para lá de demoníaca de você-sabe-quem.

Sobre Kassio Nunes (ou Nunes Marques) nem falo nada. Afinal, o que há para falar de um ministro do Supremo Tribunal Federal que, num momento de crise como o que vivemos, não vê nada de mau em curtir umas feriazinhas a bordo de um iate, na companhia de um cantor sertanejo? O senso de honra e de dever são inexistentes para uma pessoa dessas. Aliás, para ministro mais preocupado em fazer implante de cabelo do que em enfrentar Alexandre de Moraes também.

Lealdade

E antes que eu me esqueça: lealdade eu só devo à Verdade. Mas não é qualquer verdadezinha dessas que se encontra nos santinhos dos candidatos a vereador, não. Estou falando da Verdade, aquela com “v” maiúsculo. Aquela que liberta verdadeiramente, inclusive dos grilhões das ideologias e seus heróis de barro.

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Trecho

Diz Rafael Llanos Cifuentes a respeito dos homens fracos no livro “Fortaleza” (Ed. Quadrante):

“Os homens fracos não têm uma forma mental própria. Como o barro, adquirem sempre a forma neles plasmada por um agente exterior; moldam-se sob qualquer pressão; ficam marcados por qualquer pegada; submetem-se à forma do recipiente onde os depositam; sofrem o desgaste de qualquer vento de opinião; e acabam por ser caudatários de qualquer circunstância...; as circunstâncias – de tempo, lugar e ambiente – passam a pesar mais do que eles próprios; e resignam-se a não ter voz, a ser apenas um eco”.

Qualquer semelhança com a imensa maioria das nossas lideranças políticas, não só Bolsonaro, mas também ele, não é coincidência. Somos uma sociedade doente de orgulho e incapaz de reconhecer e enaltecer os homens fortes que existem, devem existir, têm que existir, não é possível!

* Quero só ver quem será o primeiro a me chamar de comunista por causa da epígrafe evidentemente irônica. Xi, foi você? Então corre! Apaga que ainda dá tempo.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]