Ouça este conteúdo
Finalmente chegou o dia 21 de dezembro. Eu não via a hora. Tanto é assim que hoje acordei um pouquinho mais cedo que o de costume. Não fosse o tempo nublado, teria visto o sol surgir por entre as montanhas da Serra do Mar. É sempre um momento emocionante. Um milagre para o qual, de tanto acontecer, as pessoas nem dão mais bola. Mas eu dizia que tinha acordado – uma semiverdade. Fui para a janela, cantei de galo pra despertar os vizinhos e fiquei à espera de uma coluna de tanques. Ou pelo menos um rasantezinho de um daqueles caças que o Lula comprou.
Nada.
É que, não sei se você estava sabendo, mas hoje, dia 21 de dezembro de 2022, era para acontecer um golpe. Ou contragolpe, como queiram. Um evento grandioso, militar ou civil, que poria fim à inegável ditadura de Alexandre de Moraes & Cia., impediria o ladrão (não disse qual!) de subir a rampa e, de quebra, manteria o presidente Jair Bolsonaro no poder. Um evento que eu chamaria de Redentora 2.0. Que tal?
Faz tempo que a notícia, ou melhor, a expectativa pelo Dia B corre à boca nem-tão-miúda-assim em todos os grupos de WhatsApp e Telegram. A julgar pelos “ATENÇÃO!!!!” e “URGENTE!!!”, devia ser o segredo menos bem guardado da história. Ainda assim, resolvi dar trela e acordar uns cinco minutinhos antes do normal. Vai quê.
Vai que todo mundo realmente é mais bem informado do que eu. Vai que todo mundo sabe de alguma coisa que precisa ser mantida em segredo. Vai que todo mundo acha que está mantendo essa coisa em segredo ao dizer que “alguma coisa vai acontecer no dia 21, mas não espalhe”. Vai que todo mundo tem mesmo um primo que é tio do cunhado da filha da sobrinha da vizinha da empregada do coach de um general de cinco estrelas que garantiu: do dia 21 não passa!
Curiosamente, não me passa pela cabeça o vai-que mais importante: vai que eu entendi tudo errado!
Quatro coisas
Que seja. O fato é que, até agora (6h01, de acordo com meu Patek Philippe Gondolo imaginário), nadica de nada. Neca de pitibiriba. Só um mendigo começou a assobiar na rua. Por um instante achei que fosse “Marcha Soldado”. Mas é que ainda não tinha tomado café. Ops! Ouvi um estouro. Será tiro de canhão? Que nada! Só um motoqueiro com o escapamento furado. Digo, o escapamento da moto, não do motoqueiro. É que ainda não terminei de beber o café.
Na esperança de que a revolução seja televisionada, como me prometeu algum teórico da comunicação na faculdade, ligo o aparelho. Netflix, Amazon Prime, Star+. Droga, esqueci que não tenho como assistir à TV aberta. Bom, é para isso que serve o YouTube, né? Trinta segundos depois, porém, estou me contorcendo de rir com Ryan Stiles, Colin Mochrie e Wayne Brady em “Whose Line Is It Anyway?” Daqueles antigos, com o Drew Carrey. Ah, quanto ao golpe... nada ainda. (Agora acho que o mendigo está assobiando Gershwin. Será possível?).
Eis então que não são nem seis e meia de uma manhã nublada de quarta-feira e já me ocorrem quatro coisas. O que é bem raro. A esta hora do dia, no geral se me ocorre apenas uma coisinha me dou por satisfeito. Mas o fato é que, talvez por causa do café que finalmente corre em minhas veias, me ocorrem não uma nem duas, e sim quatro coisas. E a primeira delas é que a crônica está chegando ao fim. Faltam só mais dois ou três parágrafos curtos, no máximo.
Em segundo lugar, me ocorre que talvez o golpe aconteça ao longo do dia. Depois da siesta, talvez. É que tenho essa visão meio romântica das revoluções e por isso tendo a pensar em alguma imagem ironicamente poética tipo “a alvorada da liberdade em raios fúlgidos”. Desculpe. Ingenuidade minha pensar que um golpe fosse acontecer antes da super final do campeonato de biriba no 22o Batalhão de Infantaria. Portanto, se você estiver lendo esta crônica pela manhã, digamos que ainda reste uma pontinha de expectativa. (Quase escrevi “esperança”).
Em terceiro lugar, me ocorre que talvez eu, avoado que sou, tenha errado a data. Talvez o Dia B seja amanhã (22), para combinar com o Solstício de Verão. Ou no dia 23, para coincidir com algum evento histórico obscuro, como a Batalha de Magdhaba. Em quarto e último lugar, me ocorre que talvez eu tenha dado com a língua nos dentes. E que, por causa desta crônica, a Redentora 2.0 teve de ser adiada. Indefinidamente ou por 72 horas, o que acontecer primeiro.