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No tempo entre o título e estas primeiras palavras, no que você pensou? Se meus cálculos estiverem corretos, e provavelmente não estão, você levou 2,3 segundos para rolar a tela até aqui. Muitas coisas acontecem em 2,3 segundos. Em 2,3 segundos, por exemplo, um carro a 120km/h percorre uma distância de 70 metros. Já a luz percorre 689.522,65 quilômetros no mesmo intervalo de tempo. E uma curiosidade (infelizmente inventada): todo mundo leva 2,3 segundos para falar “dois vírgula três segundos”.
Levei mais de 2,3 segundos para descobrir no Google coisas que podem acontecer em 2,3 segundos. E, para minha surpresa, descobri uma estatística do credibilíssimo FBI que diz, com precisão de 95%, que o intervalo entre um crime e outro em todo os Estados Unidos é de 2,3 a 5,7 segundos. Também descobri que Lee Oswald, o assassino de Kennedy, demorou no mínimo 2,3 segundos para recarregar o rifle que matou o presidente norte-americano.
Mais importante do que o que se faz é o que se pensa em 2,3 segundos. Daí as possibilidades são infinitas. Literalmente infinitas, acrescentaria, sem medo de errar. Claro que, levando em conta que você lendo um jornal com uma linha editorial bem definida e, dentro dele, um autor cuja linha de raciocínio, estilo e temática você provavelmente já conhece, dá para reduzir as possibilidades a uma grandeza finita.
Se pensarmos que você, assim como milhões de brasileiros, está preocupado com o futuro do país em ano eleitoral, dá até para atestar com alguma segurança que, no espaço entre o título e o corpo da crônica, você pensou algo envolvendo os nomes “Bolsonaro” ou “Lula”. Não o culpo. E até agradeço pela consideração.
Também é possível que você tenha clicado no título sem nem pensar ou, pior, com uma opinião já formada sobre o conteúdo. Talvez você tenha pensado que fui censurado pelo STF. Ou que fui preguiçoso. Ainda é possível que você nem chegue a ler este parágrafo, porque entrou no texto com o único intuito de desabafar na caixa de comentários. Não tem problema. Estamos aí para isso mesmo.
Eu, como sou meio esquisito, passei os 2,3 segundos me dividindo entre três pensamentos que se alternavam aleatoriamente. O primeiro era uma ideia que um dia quem sabe talvez eu desenvolva, sobre um homem que passou a vida inteira arrependido por ter votado num tirano que lhe tirou tudo. Antes de sair por aí apontando o dedo para meu personagem, contudo, proponho que o leitor se coloque no lugar dele, que acreditou em promessas vagas e slogans sedutores. Pesado, né? E é justamente aí que reside a dificuldade de contar a história: como autor, eu teria que passar alguns bons meses convivendo com esse personagem. Não sei se tenho saúde para isso.
Outro pensamento que me ocorreu durante estes 2,3 segundos tem a ver com o abismo. É que outro dia mesmo eu estava relendo o nunca-demais-citado Gustavo Corção. Em “Lições de Abismo”, há uma passagem em que o protagonista precisa cumprir alguma obrigação burocrática. No caminho até a repartição, porém, ele tece as melhores elucubrações metafísicas da literatura brasileira e talvez mundial. Chegando ao balcão do órgão público, então, ele registra: “Poucos minutos depois estava no quarto andar do ministério, diante de meu papel estampilhado, sem que ninguém ali pudesse, nem de longe, suspeitar que estava chegando das profundezas de um abismo”.
Como tenho essa passagem já há algum tempo na memória, não vou mentir: levei bem mais de 2,3 segundos para pensar na paráfrase perfeitamente adaptada à fase que vivo: “Poucos minutos depois chegava aqui, a este ponto exato da crônica, um ponto tão preciso que talvez seja o caso de marcá-lo em negrito, sem que ninguém ali (aqui?) pudesse, nem de longe, suspeitar que estava chegando das profundezas de um abismo”.
Por fim, pensava eu em como garantir que você, leitor, rolasse a tela e chegasse até o fim do texto sem se dizer indiferente à ideia, ao pobre-diabo do homem que votou num tirano, ao abismo que é meu e ninguém tasca. E principalmente aos pensamentos inconfessáveis que você realmente teve ao longo de intermináveis 2,3 segundos. Mas para isso não há garantia nenhuma, infelizmente. Aliás, a única coisa certa neste momento é que a crônica chegou ao fim.
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