Aprendi com Jerônimo Teixeira que repudiar toda e qualquer manifestação da arte contemporânea é coisa de filisteu. Difícil discordar. A arte que temos hoje é essa, marcada por instalações, intervenções e invencionices do gênero. É possível ignorá-la e rejeitá-la, mas não dá para negar que ela expressa os valores do presente. Valores que vou chamar de precários – só porque sou educadinho.
Dizendo para mim mesmo “não sou um filisteu, não sou um filisteu”, fui a várias exposições de arte contemporânea antes da pandemia. A última delas foi a de Ai Weiwei. E o que vi foram crianças correndo para um lado e para outro, enquanto os pais seguravam o queixo, fazendo as mais tresloucadas conjecturas sobre as obras.
Eis o resumo do que se transformou a arte contemporânea. Essa que, se você ignorar, já sabe, é um filisteu! À semelhança da literatura (algo que mencionei num texto anterior), ela abdicou da contemplação, substituindo-a pelo discurso. E no discurso está implícito o furor ideológico-panfletário.
Transgressão de fachada (com trocadilho)
Os grafiteiros conhecidos como Os Gêmeos (OSGEMEOS, no original) são fruto dessa opção da arte pelo discurso. E só são reconhecidos como artistas (a segunda palavra mais esvaziada da nossa língua, atrás apenas de “democracia”) porque suas obras supostamente transgressoras se enquadram num conceito institucionalmente aceito de transgressão. Traduzindo: o urinol só é arte porque uma autoridade, ainda que munida de ousadia & alegria, num belo dia atestou: é arte.
Por isso chama a atenção a briga entre os Apreciadores da Arquitetura de Oscar Niemeyer (ApAON) e Os Gêmeos – queridinhos dos hipsters que, coitados, já nasceram contaminados pelas ideias de espontaneidade, sentimentalismo e bom-mocismo hipócrita que norteiam a apreciação artística hoje em dia.
Se você não sabe do que estou falando, estou aqui para esclarecer. Alguém teve a brilhante ideia de chamar Os Gêmeos para fazer uma “intervenção” no Museu Oscar Niemeyer – cujas instalações foram projetadas pelo mesmo arquiteto que enfeiou o cerrado. Agora, o bisneto de Niemeyer chora pelos cantos. Enquanto os admiradores da pichação com grife by Os Gêmeos se esforçam para engrossar a voz e chamar de reacionários os fãs do velho comunista.
É mais ou menos como se o É o Tchan reclamasse de ter uma versão de “Na Boquinha da Garrafa” gravada pela Anitta. Como se Paulo Coelho tivesse uma página de seu “O Alquimista” reescrito por Ricardo Lísias. Ou como se o Cigano Igor invadisse o palco de uma peça de Gerald Thomas e lhe dissesse “Teamodara”.
Pessoa “dubem”
Aliás, ao leitor pode parecer incompreensível a má vontade da intelligentsia em relação a Romero Britto e a condescendência que essas mesmas pessoas fãs de mesóclises dispensam aos pichadores com grife. Afinal, eles têm mais em comum do que sonham os vãos e vis catálogos de arte.
Para começo de conversa, ambos têm um mesmo objetivo: virar estampa. É um objetivo oculto por camadas e mais camadas de discursos transgressores e teorias as mais estapafúrdias. Mas ele está lá, firme e forte e impulsionando os artistas a cometerem suas obras de arte.
Nessa coisa de virar estampa, Romero Britto é muito bem-sucedido – como pode atestar qualquer pessoa que já pegou malas na esteira de um aeroporto. Já Os Gêmeos são mais discretos. Eles se contentam em virar lembrancinhas nas lojinhas próximas a seus “projetos”. Que nada mais são do que estampas instagramáveis da vibe sou pessoa dubem – a mesma que permeia, contamina e transborda na obra brittoniana.
Ou seja, não estaria louco o crítico de arte que, para uma plateia adormecida de quatro pessoas interessadas no assunto, dissesse que as intervenções dos Gêmeos são tão cafonas e vazias quanto um retrato de Romero Britto. A diferença é que a dupla que fez o bisneto de Oscar Niemeyer chorar conta com uma boa equipe de relações-públicas.
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