No sábado eu andava meio borocoxô. Justo eu, que nunca gostei de carnaval e que sempre via com apreensão a obrigatoriedade de ser feliz nos dias de folia. Cogitei até escrever um texto melancólico que falaria sobre o tempo de cada coisa – inclusive o tempo das coisas de que desgostamos.
Mas aí lembrei que vivemos tempos, digamos, politicamente ultraestimulados. E que provavelmente as escolas de samba desfilariam na Sapucaí todo aquele discursinho sem graça dos carnavalescos formados na UFRJ. E que hoje provavelmente eu estaria aqui escrevendo sobre mais uma polêmica daquelas que não resistem à Quarta-feira de Cinzas.
Resolvi, então, preencher essa lacuna imaginando como teriam sido os desfiles politizados das escolas de samba do Rio de Janeiro se o coronavírus não tivesse transformado a vida do folião numa interminável Quaresma.
Estado de Sá
Primeira escola de samba a se apresentar na avenida, a Estado de Sá do carnavalesco Mark Fields aproveitou que não havia transmissão ao vivo para fazer uma crítica às políticas públicas de combate ao coronavírus. Com o enredo “O SUS É Nosso E Ninguém Tasca”, a escola trouxe para a Sapucaí toda a eficiência do nosso Sistema Único de Saúde. Infelizmente para a escola, um dos carros alegóricos não pôde desfilar por falta de insumos básicos e, com isso, a Estado de Sá deve ser rebaixada. O destaque positivo ficou por conta da comissão de frente, que representava a eficácia das terapias holísticas no combate às doenças.
Unidos do Leblon
A Unidos do Leblon fez um desfile com críticas ora contundentes, ora ponderadas ao governo de Jair Bolsonaro. No carro abre-alas, a escola trouxe o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta que, todo animado, cantava os versos impublicáveis do samba-enredo composto por Luizinho da Biqueta. A escola emocionou o público nas arquibancadas com o tecnológico carro “Carnaval por Zoom”, que trazia vários lebloninos famosos em enormes telas de computador, cada qual repetindo o mantra do “Fique em casa” sempre que a bateria fazia sua famosa paradinha.
Portela do B.
Me arrisco a cravar aqui que a Portela do B. já é a campeã do Carnaval 2021. Com um investimento milionário do Partido Comunista chinês, a escola pôde esbanjar na purpurina, nas lantejoulas e nos efeitos especiais. Com o brilhante enredo “Xi Jiping Nós Te Amamos”, contou toda a história recente da China. Os reacionários, talvez a soldo do império estadunidense, reclamarão da substituição da tradicional águia do carro abre-alas pela cabeça alada do Grande Timoneiro Mao, mas não eu, que achei tudo muito lindo e maravilhoso. Destaque para a ala das baianas, que representou os uigures felizes nos floridos campos de reeducação da gloriosa China.
Chorão
Homenageando o futuro Prêmio Nobel Atila Iamarino, o tradicional Chorão trouxe para a Sapucaí o enredo “Se a Ciência Falou Tá Falado”. Primeiro samba-enredo composto por um coletivo trans, o do Chorão misturava em quantidades milimetricamente igualitárias os ritmos de nossa multirracialidade – menos a polka. A escola, contudo, teve problemas com as alas Antirracista e Antifa, que interromperam o desfile para dar um corretivo num gari branco que estava com um boné M.A.G.A. De acordo com o gari, porém, o adereço foi presente do seu compadre Tião, por acaso dono da Maria Aparecida Gelo & Água.
Mocidade Revolucionária
Se não fosse pelo desfile sinomaravilhoso da Portela do B., eu diria que a campeã do Carnaval 2021 foi a Mocidade Revolucionária. Com o enredo “Data Vênia Quem Manda Nesse País Sou Eu”, a escola homenageou os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, que desfilaram como destaque no carro abre-alas. Menos o ministro Edson Fachin, que ganhou um carro só para ele. O carro “Tá Dominado, Tá Tranquilo” fazia uma alusão à decisão do ministro de impedir operações policiais nos morros cariocas enquanto durar a pandemia – ou enquanto o ministro tiver vontade.
Colibri de Nilópolis
O mirrado desfile da Colibri de Nilópolis deu até pena. Culpa do Carnavalesco Che Marx Lenin de Guevara e Silva, que decidiu entrar na Sapucaí apenas com eleitores do PSOL. O destaque vai para o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que sambou empolgado na Ala dos Neopsolistas. No desfile, a porta-bandeiras e pessoa com vagina Selminha Sorriso foi substituída pela mulher trans Alex Cara-de-poucos-amigos, enquanto o mestre-sala foi Tammy Miranda mesmo. Depois do desfile, um Guilherme Boulos todo empolgado comandou a invasão da Apoteose.
Imperatriz Iorubá
José Dirceu foi o homenageado pelo G. R. E. S. Imperatriz Iorubá. De tornozeleira eletrônica, o ex-primeiro ministro do petismo desfilou no último carro, ao lado de outras figuras notáveis do PT (filiadas ou não), como Gleisi Hommann, vestindo uma fantasia tão ousada que não posso descrever neste horário. Em crise financeira, a Imperatriz Iorubá conseguiu pôr a escola para sambar graças a um empréstimo do Banco Rural intermediado por João Vaccari. Temendo a vaia do povo nas arquibancadas, o popular ex-presidente Lula decidiu não participar do desfile e foi substituído por Fernando Haddad.
Princesa Isabel
Programada para desfilar às 6h da manhã, com o aguardado enredo “Do Jardim Paulista ao Palácio do Planalto”, a Princesa Isabel pretendia homenagear o atual governador de São Paulo e seguramente próximo presidente, o Exmo. e Ilmo. Sr. João Dória. Mas foi impedida por um grupo de manifestantes BLM que exigia que a escola fosse rebatizada ali mesmo, naquele exato instante, como Zumbi dos Palmares. Uma pena, porque a escola traria para a avenida a Ala George Floyd, acompanhada pelo carro alegórico “Preocupações Humanitárias do Grande Social-democrata João Dória”, com a aguardada estreia de Greta Thunberg na Sapucaí.
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